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Eu tento não surtar, não parar para pensar.
Eu tento não parar. Eu preciso parar.
Parar de querer resolver tudo. Não dá pra resolver tudo. Algumas coisas já estão resolvidas. Outras eu não posso mais resolver. Eu só queria parar. Parar pra respirar. Respirar sem pirar. Sem trocadilhos, sem nada. Só parar.
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02:13, eu desliguei a tv, estava vendo um Dorama, minha mãe me apresentou a eles enquanto eu estava no hospital. (São pequenas séries Coreanas, muito fofas, eu falo delas melhor depois). Me virei para dormir, liguei o ar condicionado, tentei... Mas não dá, eu preciso contar pra vocês tudo o que passei. Talvez faça algum sentido lá na frente.
Eu tenho 33 anos, tô feliz escrevendo agora, mas nunca imaginei que este seria o tema. Minha saúde. Sempre fui muito forte, nunca caio doente, nunca mesmo. Uma vez com 12 anos, no dia do meu aniversário, operei o apêndice, fiquei bem mal, mas sobrevivi. Aos 19 operei a vesícula e aos 27, reduzi o estômago. Fora isso, nunca tomo remédios para dores de cabeça, no máximo um relaxante muscular quando trabalho muito.
Isto posto, digo a vocês, em Fevereiro de 2020 viajei para Rondônia, fui visitar o meu pai. Na volta, voos cancelados, peguei COVID, mas ninguém ainda sabia ao certo do que se tratava. Lá na China os primeiros casos, nada alarmante.
Tratei como inicio de pneumonia, com corticóides, remédios para garganta, febre e 8 dias depois, passou. Sem saber do que se tratava, que meses depois estaríamos com quase meio milhão de mortos, meu psicológico não me afetou. Eu passei ILESA por essa doença (da primeira vez).
Nesta, 1 ano depois, me pegou. Lembro de ter dito ao farmaceutico que aplicou o teste: - Não posso pegar, se eu pegar eu vou morrer. Ele, muito querido, me acalmou, mas entrei no carro, chorei, chorei muito e mandei uma mensagem pra minha irmã: POSITIVO, e agora?
Eu fui pra casa, com pouca dor nos olhos, punhos e joelhos. Um pouco de febre, mas nada que me prostrasse. Eu estava bem, APARENTEMENTE.
Passei dois dias me virando sozinha, em casa, meio capenga, mas relutando em ir ao hospital. Essa idéia era derradeira pra mim, parecia o fim anunciado, se eu aceitasse ir. Mas não teve jeito. Fui, fui medicada, voltei. Passou mais dois dias, e pronto: - Ana, você vai precisar ficar, precisamos acompanhar você mais de perto. DESESPERO.
- Cau, vou ter que ficar, a médica pediu.
- Pausa.
- Cau, fala pra mãe, que eu vou precisar ficar aqui.
Ok! vai passar, você vai ficar bem.
Na primeira hora, picadas, tomografia, exames e otimismo. Duas depois, tristeza profunda, solidão no quarto e muitos pensamentos. Tenho depressão e ansiedade. E elas vieram, juntas, de mãos dadas e me disseram : - Oi! Vamos ficar aqui com você. Eu respirava bem e acompanhava a saturação, tudo ok! Mas não, uma segunda tomografia apontou um avanço na lesão do pulmão, sucumbi ao medo da morte. Chorei por exatos 40 minutos, desesperadamente, surtei. Implorei para me darem uma coberta porque descobri um frio que ha tempos não sentia. Demoraram, eu gritei, pedi socorro. Chorei alto, sentido, triste, com medo.
A coberta veio, junto dela a psicóloga e um ansiolítico para que eu pudesse me acalmar e dormir melhor. Não funcionou, o dia 29 de Maio foi, disparado, o pior dia da minha vida. Eu não respirava, eu queria respirar. Eu queria meus cachorros, meu travesseiro, minha cama, minha vida. Eu queria voltar. Mas não era hora. Tinha muita coisa pra acontecer e eu mal sabia o quanto ainda sofreria. Comida sem gosto, sem cheiro. Não descia.
Gasometrias infindáveis, o exame mais dolorido do mundo, sei lá. - Dra, deixa minha irmã dormir aqui comigo? Deixo!
Meu Deus, que alivio, ter alguém comigo. Os dias foram ficando piores com o meu corpo, mas melhores com elas me fazendo companhia. Ir ao banheiro, tortura, mas em 3..4..5 minutos no máximo, eu me recuperava, ouvindo elas dizerem que tudo ficaria bem.
Passei a não poder mais ficar sem o cateter de oxigênio, era dificil puxar o ar para os pulmões. Colocaram um extensor que me fazia conseguir chegar ao banheiro. Melhorou! Também passei a fazer a VNI, uma máscara que me ajudava a inflar os pulmões e respirar muito melhor. Eu ficava com ela 1 hora, no máximo 1:15. Não era ruim, só apertava as bochechas.
Dois dias usando a VNI e minha melhora foi notável. Voltei a sentir cheiro e então pedi coxinhas da minha tia Lucimar, comi muitas, muitas mesmo. Era o suprasumo do sabor, uma delicia em forma de coxinhas de frango.
As enfermeiras eram tão incríveis que eu nem posso contar com detalhes, pois eles fugiriam todos e a história não faria sentido. Essas pessoas merecem o céu e tudo o que tem de melhor nesta vida.
Faltando dois dias para que eu recebesse alta, minha mãe disse: - tenho uma supresa pra você, o seu pai está vindo. Eu mal pude acreditar. 1 ano e meio sem ve-lo, e nesta hora eu respirei bem fundo. Parece que os meus pulmões entenderam que o meu pai era o ar que faltava. O restinho naquele caninho fino que soprava o meu nariz. Dois minutos depois eu chorei muito, porque pensei: - eles estão reunindo minha familia, algo está errado e não me contaram.
Foi aí que, mentalmente comecei a dividir os meus cães, quem ficaria com quem ? Meu Deus, que sensação terrível. Que dor. Que angústia.
Fiz isso, desenhei o molde da minha morte toda. Eu estava preparada para colocar isso numa carta. Mas dormi. Dormi vendo um programa de culinária e desejando aquela comida. Pensei - tem alguma coisa errada nesta conta, como eu posso estar com fome, com vontade de comer, de viver, sendo que estou morrendo? Eu não estava. Comecei então a ler as mensagens do instagram e whatsapp. Parei. Impossível. Muita, muita, muita. Fiquei ansiosa, chorei, queria agradecer as pessoas, dizer que eu voltaria, que ficaria tudo bem. Elas pareciam estar se despedindo de mim, me deu mais medo. Desliguei completamente o telefone e dormi.
3:30, gasometria, a mais dolorida de todas, me furaram 4 vezes e não conseguiram. Chorei muito, duvidei de novo, chorei mais e dormi.
Na manhã deste dia, uma noticia boa, você vai embora amanhã.
Que felicidade! eu já respirava muito melhor, comia bem, sentia gosto, saudade e muita, muita vontade de ver o meu pai. Perdeu o voo, neste mesmo dia. Chorei um pouco, mas ainda assim estava radiante. Ele chegaria, cedo ou tarde, chegaria. Este dia passou bem rápido. No outro, tomei banho sozinha, senti o cheiro de tudo. Sabonete, shampoo, condicionador, pasta de dente, desodorante, perfume, creme... foi um ritual. Um banho sozinha, quentinho e sem respirador. Eu tava a 2 passos pra sair.
Minha irmã foi me buscar, lembro de olhar o chafariz que fica em frente ao hospital e sentir uma vontade de mergulhar. Sei lá, eu queria me sentir viva. Mas eu estava! Eu estava viva! Eu estou.
Vim pra casa e não consigo colocar em palavras o que senti ao abraçar os meus cachorros. Eu amo eles mais que a mim. Era o que eu precisava. Meus bichos. Minha cama, minha casa, minha vida.
Eu tive muita fé, apesar de não saber clamar, nem orar. Deus entendeu o meu coração e me deu uma nova chance. Depois de todo esse tempo, eu só consigo pensar que a vida é engraçada demais, é uma grande piada, uma patifaria. Você planeja, planeja e ela ri de você. Eu tinha um mês inteiro, dois, 3..tudo aplicadinho, cada passo e hoje eu só consigo pensar no próximo segundo que eu vou ter de vida.
Dinheiro? Status? Carrão? celular novo? Seguidores? Nada...
A vida é respirar, amar, ser amado. Entender, se fazer entender. Mas acima de qualquer coisa. A vida é AGORA!
Um beijo, Ana.
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