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VINGANÇA
equer sei como começar. Ou continuar. Vai assim mesmo.
Isso é sério! Não fique aí rindo de mim. Me ajude. Eu te garanto que eu estava coçando o saco na varanda, deitado na rede, quando olhei para baixo e vi dunas e mais dunas de um súbito deserto. Eu quis chorar, mas minha cara apenas ardia sem saber uma expressão diante daquilo. Ou apenas não me lembrava como se chorava. Ou como se amava. Ou como se morria. Não importa. Pelo menos, agora não importa mais. O que importa é que o deserto estava ali, tinha engolido o Cristo Redentor e o Monte Fuji. Tampouco eu ainda enxergava as Pirâmides no horizonte.
Postei assim, dizendo que era de um filósofo azerbaidjano inexistente de nome impronunciável e inescrevível: we've been consistently trying to die for decades, with no success. This world is going to end before we die. We will just remain, after all, in the void.
João... João, João! Ah, UTM, UTM tanto... Isso era uma oração completa, era um coração repleto. Todo dia, de noite, eu a repetia. Agora, não lembro mais as vogais. Desapareceram. Só restou a carcaça exangue das consoantes. Ou a verdade é que eu não ouso mais dizê-lo, como antes. Se uma pessoa o diz, mesmo que para si mesma, isolada no quadrado do seu apartamento, apartado de todos, algo então acontece, o universo se sente ofendido e se retrai à maneira daquelas plantinhas, as sensitivas, quando são tocadas.
Qualquer coisa que lembre um toque, está para sempre condenado.
Elizama, UTM. Ou era Luana? UTM, UTM, todavia. Todo dia, de noite... Agora é sempre noite, mesmo em pleno meio-dia. O Sol irradia escuridão sobre os nem-seres que passam lá embaixo, na avenida. Acordei por anos numa perpétua madrugada, a madrugada dos mortos, estamos todos sobrevivendo, sobrevivendo, socorro.
Sim, estou falando de você. Morra comigo, por delicadeza.
Lucas, UTM. Meu MR por você continua me devorando desde sempre, eu queria tanto te dizer que. Não, não há nada mais a dizer. Está tudo dito demais. Cadê o segredo, o sagrado? Com gosto de fruta roubada...
Teus seios... Ah, montanhas de repente erguidas nos teus meios. Os pelos da tua barba contra as minhas reentrâncias... Balançavas o rabo com ternura, quando eu chegava em casa, vinhas me lamber. Ah, Martha! Ah, Henrique! Tuas tão meninas rugas octogenárias! E assistíamos Galinha Pintadinha, chorávamos juntos, e depois recitávamos de cor o terceiro canto da Enéida. É verdade que superamos Purcell em nossa própria ópera-vida-relacionamento. Acho que fui deputado. Acho que tudo acabou. Mas é pra todos, isso. Inutilmente, batem à minha porta, enquanto eu tento lembrar-me do meu nome, do teu nome... E daquilo que eu te dizia nas horas de ternura. Lembro-me apenas dos teus três mamilos, isso é certo. O terceiro ficava entre as tuas nádegas. "Por que chamar isso de mamilo, Horácio?", e eu respondia que aquilo podia ser o seu segundo clitóris, então, se assim quisesse. Isso-ele-ela respondia que pode ser um mamilo, então, e isso-ili-ula-ole-ulu-ala-isso passava a ter três mamilos. A verdade é que agora alguma outra coisa pode ter rebatizado pela milésima vez aquela estranha protuberância entre as suas nádegas de um décimo terceiro olho.
Estou triste. Tanta inquietude para nada. E não sou só eu. Tanto tanto, e nada nos desnada.
Ai. Ai. Ai.
Hoje ele, ela, ilo, alien deve ser um aquário, um armário. Uma propaganda, na melhor das hipóteses. Sua pele era luminosa noite. Seus cabelos, sarças de fogo. Agora é tudo um grandessíssimo "ERA".
UTM ainda. Mesmo nos destroços. Ainda existe, ainda resiste algo que em breve será castrado de mim. Queria que você sentisse a minha dor. Queria que você sentisse qualquer coisa. Mas eu já nem te sinto, salvo (e nem bem isso) o que eu senti de ti. São impossíveis os poemas agora, desde quando eram impossíveis mas ainda a gente ousava, contra as paredes e tetos arranhados de unhas, contra os corpos em pilhas como pedaços de madeira, prontos para serem incinerados anonimamente. Mas agora é pior que isso. Esses corpos somos nós mesmos, num fogo lento, quase imperceptível.
Só o cachorro do meu vizinho é imune às máquinas. Mija com frequência à porta do meu apartamento, não sei qual a razão. Também não sei porque, mas frequentemente roço minha cara contra o líquido amarelo ainda morno. Talvez seja o último resquício de calor, de calor humano. O cachorro já é um fóssil vivo de nós.
Estou tão triste que quero pular da varanda do meu apartamento. Mas eu não conseguiria morrer, estou seguro disso. Sou tão saudável que mesmo uma queda dessas não me mataria, tenho receio. Em verdade, sou exemplar. Não adoeço, não choro. Apenas sigo em frente e meus posts eram os melhores. Até há pouco. Acho que me escangalhei sem jeito agora. Continuam batendo à minha porta, deve ser em árabe que gritam por mim. Querem mais uma injeção injusta de paz em mim. Fodam-se todos. Foda-se você. Foda-se eu mesmo.
E fim.
Mas a verdade é que eu s
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