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abufagira-blog · 7 years
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GIRO III - Rio de Janeiro
No Rio de Janeiro fiz duas saídas com a máscara, a primeira delas na praça da cruz vermelha que é um território ocupado pelos moradores de rua e ponto de uso de droga. Experimentei desta vez sair vestida de casa e pôr somente a máscara na rua, na primeira encruzilhada, e a caminhada até o destino ajudou a convocar o corpo da bufa.
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Na praça fui pedindo licença a todos que já estavam por lá para fazer teatro ali, cumprimentei boa parte dos ocupantes e recebi o aval de quase todos para iniciar o trabalho. Haviam diversos agrupamentos de pessoas e fui trocar uma ideia em cada núcleo, em dado momento anunciei: “Hoje, somente aqui, psicóloga popular! Está aberto o consultório! Pode vir.” Mais rápido do que eu imaginava algumas pessoas foram se aproximando para ver e um rapaz rapidamente entendeu a brincadeira e levantou o braço para ser “atendido”, disse_ “Eu to precisando falar”, e daí começou a conta a situação que havia passado, foi expulso do abrigo onde está cadastrado por uma confusão que aconteceu lá dentro, contava que dois sujeitos começaram a brigar e ele entrou no meio para tentar resolver e no final das contas foi o único no meio da confusão que foi expulso do serviço, resolvi contar a ele uma história, dessas que eu já havia posto na manga, mas não funcionou como eu esperava, contei a história da deusa do povo Inuit, Sedna, que era maltratada por seu marido - o homem pássaro- e teve seus dedos decepados pelo pai e afundou no oceano - ao contar a história ao Rafael, senti que ficou incomodado com o que eu dizia e em dado momento se retirou da cena comigo, entendi que ele pensou que eu estava insinuando que ele agredia mulheres, quando na verdade eu tentava dizer que ele era como Sedna, que sofria uma perseguição, injustiça, maus tratos e ainda assim era capaz de encontrar sua força e emergia das profundezas do mar de tristezas. Percebi com a experiência que a experiência de cuidado e convívio na rua exige uma sensibilidade e escuta muito maior, nenhuma artimanha pré-fabricada e já engessada vai servir ao encontro. 
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Aprendi ainda nesse momento o significado de oblíquo a que Henrique - Pantheatre - se referia, eu não consegui comunicar ao Rafael e quando ele se retirou de cena pensei em parar no meio a história, mas outro sujeito que ali assistia com atenção me disse: Continue, ele não está ouvindo mas eu estou. Sergio depois que terminei de apresentar me agradeceu a história e conversamos ali durante algum tempo.Me contou muita coisa sobre sua trajetória, disse que estava por ali para buscar um dinheiro que alguém lhe estava devendo por esculturas que fazia dizia que a pessoa lhe devia 7000 reais, que havia outro devedor que lhe devia mil, depois outro que devia 3000, e que só estava esperando por esse pagamento para retornar à uma cidade do interior onde tem um terreno e vai construir uma casa, falava também da sua angústia de ter filhos adolescentes e não poder dar coisas a eles como celulares e ingressos pra shows, e que não pretendia ficar por muito tempo ali na praça, nem fazer amizade com as outras pessoas pra não piorar sua relação de dependencia do uso da droga e permanência na rua. Sérgio tinha um violão e tocou algumas músicas, eu toquei algumas que sabia também e no final ofereci a ele um curso expresso de economia, “se me você me oferecesse curso de outra coisa eu não queria, mas sendo de economia eu quero, é justamente o que eu tava aqui pensando antes de você chegar”, ele disse. Então na mesma hora comecei a inventar um curso expresso de economia e a medida que eu ia inventando ia falando e a medida que falava eu aprendia com as coisas que eu dizia, dizia coisas do tipo:  A matemática é assim, tudo na vida vem de três: Passado, presente e futuro - O dinheiro também, dinheiro que tá no passado é preciso esquecer, esquecer as dívidas, perdoar os devedores, doar; dinheiro do presente tem que ter, pra pagar as contas do presente, custo de vida, despesas dos filhos; e tem que ter dinheiro de futuro, que aí é guardando que se tem. Senti que ele me ouviu com tamanha atenção que se emocionou e eu também. Palavras amigas tem tanto poder quanto a escuta atenta, saí de lá fortalecida e senti que ele também, verdadeiro encontro que produz potencia de vida. Este foi meu maior aprendizado do dia, antes de ir embora ele me deu um real que tinha no bolso e disse que estava dando porque estava pondo em prática o curso. Depois dali ainda fiquei um tempo trocando uma ideia com outras pessoas, fizemos uma roda de samba com o pandeiro que levei, foi um momento festivo e prazeiroso, mas em certo momento senti que a rua me expulsava, um senhor que estava mau humorado se aproximou de mim e me ofereceu um anel, eu aceitei e botei no dedo, em seguida ele pediu o anel de volta porque ia dar a outra pessoa, eu respondi bufonicamente que “Quem dá e tira Deus castiga”, ele ficou irritado com a resposta e me deu um alerta:” _Nessa praça pode brincar mas tem que respeitar, ninguém aqui é besta, aqui não tem nenhum bonzinho.”. Percebi que ele estava irritado com a presença de um amigo que foi junto comigo fazer os registros, ele havia ido perguntar antes pra ele para que eram as fotos, uma vez que existe grande desconfiança com relação à polícia em um espaço como aquele de uso de drogas ilícitas. Nesse momento expliquei a ele, como havia explicado à varios ocupantes da praça que as fotos eram para o meu estudo pessoal, que eu desenvolvia uma pesquisa sobre a máscara em contato com a rua, os ânimos apaziguaram, mas senti que era o momento de fechar o trabalho.
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abufagira-blog · 7 years
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Giro III - PARIS
Muito difícil a saída com a máscara em Paris. Especialmente por minha dificuldade com a língua não consegui buscar lugares mais apropriados para fazer a saída e fui à uma rua qualquer, encontrei turistas, o transito de pessoas indo e vindo do trabalho e poucas pessoas em situação de rua. Caminhei pelas ruas por algumas horas, tocando pandeiro, cantando, improvisando e experimentando com o que a rua me dava. Três momentos foram fortes experiências. Primeiro que senti que comecei a ser perseguida por um carro de polícia, afinal é proibido fazer teatro de rua na França, tudo é muito controlado principalmente em relação à estrangeiros (Entradas e saídas de metrô sofrem fiscalização constante, se você não guarda o canhoto do metrô e for abordado pelos fiscais será detido e cobrada uma multa altíssima, se for estrangeiro terá de apresentar documentação e visto na validade com risco a ser deportado). Enquanto saía com a máscara senti que um carro de polícia me avistou e fui perseguida, passei cerca de meia hora entrando e saindo de ruelas para confundir o carro que só passava em ruas maiores até que não os vi mais.
Outro momento singular foi o encontro com uma senhora que morava na rua, vínhamos caminhando pela rua uma em direção à outra e ao cruzarmos senti que era como olhar num espelho, estávamos vestidas muito parecidas. Ela tinha um copo descartável e estava pedindo dinheiro, me olhou e pediu pra mim, mesmo com a máscara me tratou com estranhíssima naturalidade, como não tinha dinheiro algum não pude ajudá-la. Às vezes as pessoas me dão dinheiro quando estou com a máscara e esse dinheiro que vem às minhas mãos trato de passá-lo adiante, por uma convicção simbólica de que estou ali como canal, fluxo, mediação, e portanto não permito que o dinheiro pare em mim, bem como as energias que me atravessam (existe um procedimento pessoal de cunho espiritual constante para a manutenção energética do trabalho, busco com isso não levar e nem trazer da rua forças destrutivas comigo), como nesse dia não recebi dinheiro nem comida (às vezes acontece também) segui minha direção e ela a dela.
Ainda no mesmo dia, mais tarde, fui abordada de forma hostil por um grupo de rapazes enquanto estava sentada na frente da saída do metrô, como eu não falo francês não sei dizer porque razão um deles decidiu me importunar, dizia coisas de forma agressiva mas à distancia e quando decidiu se aproximar de mim tive medo, não sabia o que ele queria, até que um de seus amigos interviu e o levou embora. Sinto que ficou irritado quando viu que eu não falava sua língua, fazia a menção de que queria que eu tirasse a máscara. Sinto que o que aconteceu foi um assédio, não é a primeira vez que acontece mas é a primeira vez com violência. A escolha do Bufão para ser essa figura de encantaria no espaço da rua não é apenas estético, é ainda estratégico uma vez que sendo mulher estou em uma posição extremamente vulnerável, desprivilegiada dentro da sociedade machista patriarcal, a máscara e figurino ao cobrirem a aparência dão passagem a uma essência e me servem, até certo ponto, de mecanismo de proteção na rua. O que aconteceu ali me fez pensar que preciso de mais “proteção”, isto é, um figurino com mais distorção física, mais grotesco. E ainda me deixou a pergunta: Como abordar a violência contra mulher dentro do trabalho? Como ter uma fala neste sentido?
Depois deste momento encerrei a saída. Sinto que o rito tem seu tempo próprio e a rua é senhora de si, é ela quem dita as regras e eu não estou ali para desrespeitá-la, esse foi o sinal de que meu tempo nela terminou.
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abufagira-blog · 7 years
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Sonhos
Águas turvas onde me banho escondem corpos em decomposição no fundo. Ondas gigantes me despedaçam, deformam meu corpo. Estou no mar e vejo que ele esconde afiados vergalhões que saem da areia. Sequestros em terras desconhecidas. Crianças violentadas sexualmente, em estado de miséria e abandono. Florestas sombrias, caminhos que mudam de direção. Discussões noturnas que terminam em esfaqueamento, morro. Aponto uma arma para roubar um banco, ela é de mentira. Zumbis. Cachorros canibais. Cavalos que comem cachorros. Fuga. Salto entre os galhos como se levitasse. Fujo de ruínas assombradas. Estou dormindo e alguém ao meu lado incorpora. Uma mulher corre e grita com o filho nos braços, ele estava no rio, se atira ao chão e cava um buraco onde se enterra em desespero. Um velho visita a casa no meio da noite, me ensina a usar minha guia de EXU. Animais estranhos, algo próximo de uma ariranha morde a minha mão. Visitamos um hospital/ asilo/casa de repouso uma mulher de presença maligna pula nas costas de minha amiga, digo: Não são todos que a gente abraça!
São imagens de alguns sonhos que tive desde que comecei o projeto. A vida toda tive sonhos ruins e dormir às vezes é difícil. Estou falando disso agora porque comecei a ler  “Psicomagia” do Alejandro Jodorowsky e o último livro do Carlos Castanheda ‘Porta para o infinito”, e tenho prestado mais atenção ao que tem acontecido quando estou dormindo. Às vezes sonho com coisas tão cotidianas e banais que mais parece que a vida que ando levando durante o dia é que é o sonho. Estou agora em Thoyras no sul da França, com pessoas de vários lugares do mundo, em um lugar no meio da estrada com construções de pedra antigas, faço teatro o dia todo não há nada mais a fazer,12h por dia, em uma sala criando coisas absolutamente abstratas, simbólicas; ou no meio das árvores (tem um bosque aqui) conversamos sobre mitologia grega e quando tenho tempo livre cozinho com mulheres e reclamamos dos homens em diferentes línguas. Quando estou sonhando? Durante a noite ou durante o dia? Aqui são 5h de diferença de casa, durmo quando Belém está acordada, trabalho quando Belém está dormindo. Onde está o sonho?
Lendo a psicomagia, que fala sobre a experiência de sonhos lúcidos, sonhos terapêuticos e outros tipos, percebi que desde que tive um sonho lúcido meus sonhos mórbidos cessaram e passei a ter noites mais tranquilas. O sonho lúcido aconteceu em Santiago ainda e foi o seguinte:
_ Eu chegava com minha família à uma casa que ficava no meio de uma estrada, nessa casa havia uma velha hostil que não nos reconhecia, eu tentava me apresentar como sua neta, apresentava meu irmão mais novo como seu neto, aos poucos ela ia cedendo e ficamos na casa. Durante à noite eu estava no corredor e podia ver que na sala estava um pedaço do rosto do meu pai sobre o sofá,  era mórbido e eu tinha muito medo, era como uma máscara de carne e seus olhos se mexiam, e esse foi o ponto em que me dei conta que estava farta de dormir assim atormentada por esses sonhos e decidi caminhar até a sala e encarar o pedaço do meu pai, e a medida que me aproximava ele reconstituía seu corpo, e aí eu disse: Quero ver todos aqui, agora! E vieram até a sala, a avó, o irmão e a mãe, estávamos todos ali e eu não estava mais aflita. Acordo.
Passei um bom tempo depois disso dormindo muito melhor, mas nos últimos dias algumas novas imagens tem me atormentado. Tenho gostado bastante do livro apesar de considerar o Jodorowsky um homem desprezível, e nem vou entrar nesse assunto agora. Mas a questão que fica é, como encarar os medos não somente em sonhos, como reconhecê-los de frente e atravessá-los? E que isto tem a ver afinal com essa pesquisa artística sobre cuidado e convívio, saúde? Ainda não tenho essas respostas mas estou me permitindo registrar as sensações que me atravessam mesmo que apenas intuitivamente.
O tema este ano do festival que estou participando é Tirésias: - Oracular voice. _ Bliinded seer. _ Transexual. Tem a ver com uma das lendas que conta que Tirésias fica cego quando menino ao ver sua mãe Athenas, a Deusa guerreira, banhar-se. Enrique pardo, que conduz o treinamento de teatro coreográfico conosco, fala sobre essa lenda sob a perspectiva de que Athena, a Deusa virgem, seja um homem travestido de mulher. Ainda não sei o que pensar sobre essa perspectiva porque continuo suspeitando da perspectiva que nega que possa haver uma Deusa guerreira, por que afinal tem de ser um homem? Essas discussões são motes para o trabalho vocal e corporal que o PANTHEATRE desenvolve aqui em Malerargues.
No primeiro dia de festival tive um sonho estranho: Eu era Hércules e tinha ao meu lado um grande guerreiro que era antes uma mulher e passou a ser homem, ou o contrário, não sei bem no sonho não ficou claro mas chamarei aqui de guerreirx. A legião de homens que estava conosco não admitia a existencia dx guerreirx e alguns homens vieram reclamar comigo dizendo que se recusavam a comer perto delx, eu tentava convencê-los de que era umx grande guerreirx e que sabia o caminho que iríamos percorrer, deveriam abdicar da estupidez em negar sua existência. Dias depois no meio dessa expedição um dos homens traz x guerreirx até mim, estava arrastando seu corpo congelado, paralisado em posição fetal como que por encantamento, e me dizia o homem que o trazia: Aí está o seu guerreiro, um bêbado! Não vou me delongar mais em sonhos e coisas sérias dessa natureza. Vou falar só do mundo à luz do dia.
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Fotos: Didier Monge
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abufagira-blog · 7 years
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Giro II - BARCELONA ou Encontrando alegria.
Barcelona é um grande shopping center à céu aberto. Essa foi a primeira impressão que tive da cidade, ao menos do centro. Uma multidão de turistas caminhando nas ruas o dia inteiro comprando, e olha que o dia dura até as 22h essa época do ano, é primavera. Lojas por todos os lados, o pouco que se vê de trabalho informal é em sua maioria vendedores Haitianos com réplicas de bolsas de marca nas ruas. Vi pouca gente morando pelas ruas, afinal é Europa, realidade bem diferente da Latino América. Morador de rua no Brasil é comum não ter sapatos porque são furtados enquanto dormem, ou porque se perde tudo com o uso abusivo de drogas, andei pelas ruas por uma semana e não vi ninguém descalço.
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Quando saí com a Bufa o jogo foi invariavelmente com os turistas pois estão em toda parte e muito numerosos, não consegui jogar com o povo da rua enquanto estava de máscara e tive que tirá-la para conversar com algumas pessoas que encontrei. Puxava assunto perguntando onde se podia comer barato por ali, como faziam para comer. As respostas sempre eram vagas como: _ Ah, eu compro um pão ali. Mas esse ali não era lugar nenhum.
Continuei perguntando e ouvi uma resposta diferente. Era uma rua pequena, vi uma mulher sentada na calçada em frente a uma loja, tinha uma placa de AJUDE-ME POR FAVOR fui até ela e perguntei se podia me ajudar a encontrar um lugar barato para comer por ali e ela disse ”De graça!.Se você me esperar 20 minutos eu te mostro onde.” Então eu esperei. Ela começou a cantar e tinha uma voz incrível, foi muito forte o que aconteceu ali, senti um arrepio na alma. Negra, cantava soul. Ganhou dinheiro ali cantando por 20 minutos e me levou para comer de graça. Dizia que “Só pessoas estúpidas pagam para comer em Barcelona.” E dizia isso passando por Las Ramblas, um corredor turístico de restaurantes cheio de mesas na rua onde se come bem caro.
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Ela me levou até uma igreja evangélica onde brasileiros distribuíam refeições com suco e sobremesa, conversei com um deles que vestia uma camisa do Brasil, a mesma que virou uniforme das manifestações da direita que foi às ruas em 2016 pedir o impeachment da presidente Dilma, golpe que instaura o completo retrocesso nas políticas sociais do Brasil até então. O lugar estava abarrotado, ganhamos uma refeição cada, mas ela não quis comer a sua, estava satisfeita e ia levar a comida para o seu cachorro. Me levou para conhecer a biblioteca pública onde passava a maior parte do tempo, lá tinha um grande espaço aberto de convivência e banheiros onde se podia tomar banho, ela foi buscar as roupas que tinha lavado e esquecido de estender no sol. Uma pena, estavam emboladas e não mais com cheiro de limpas, ia ter que lavar de novo. Me contou que é inglesa e saiu de Londres para viajar com um namorado, mas que ela terminou o relacionamento depois que: “He punched me in the face”; ele a agrediu. Agora estava com um novo “rolo”, um homem da Ucrânia e na verdade o cachorro pro qual ela trouxe comida era dele. Contou que gostava de viver em Barcelona e que antes era professora de inglês mas não gostava de Londres. Me mostrou lugares onde comer de graça e os horários que eu deveria ir, havia um lugar para o café, outro para o almoço e outro para o jantar, todos eram igrejas. Me contava tudo assim com desprendimento e leveza, sem cerimônia, tinha um brilho e uma vontade imensa de viver que me tirou o chão. Eu a agradeci muito por me ajudar daquela forma e ela disse: “_ Sem problema. Um dia eu estava no seu lugar e alguém me ajudou também.”
O nome dela é Joy, que na tradução do inglês ao português significa Alegria.
Não consigo falar mais sobre isso.
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abufagira-blog · 7 years
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GIRO II - BELÉM
A rota mudou quando recebi um email do Akt-Zent, centro aonde faria a próxima etapa do projeto em Berlim, informando que não mais iria realizar o curso do Dr Jurij Alschitz em 2017, pois seria adiado sem previsão. Deixando de lado as lamentações, tive que rapidamente reformular o projeto e submetê-lo à aprovação da FUNARTE. Por isso ao invés de seguir adiante a viagem resolvi voltar a Belém para me organizar. Assim, o II Giro foi em terras conhecidas.
Movida pelas experiências em Santiago voltei a Belém com três coisas em mente.
A primeira era de que gostaria de mover alguma energia em direção ao casarão do Boneco, por compreender cada vez mais a importancia que esse espaço tem na cidade.
A segunda era contaminar meus companheiros de BEC Bloco com a idéia de acrescentar uma ala de dança ao cortejo, encantada que estava com a referência das comparsas de carnaval que conheci no Chile.
E a última de compartilhar com minha rede de trocas, família artística, a experiência vivenciada com Ximena Dávila e Humberto Maturana sobre biologia cultural.
Em direção ao Casarão do Boneco, propus ao núcleo de pessoas que movimenta o Casarão, durante uma reunião, fazer um quarto para morar lá no período que estivesse em Belém e que depois ficaria disponível para receber artistas em trânsito pela cidade em forma de residência artística, ou ainda serviria aos ocupantes do Casarão como espaço de descanso, existe essa demanda inclusive para aqueles que moram mais distantes do centro e vez por outra precisam dormir pelo centro depois das atividades no Casarão por falta de transporte e segurança à noite. Assim reformei o quarto, tapando buracos nas paredes, limpando e pintando com ajuda de algumas mãos que transitavam pelo Casarão no momento.
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Percebo com mais nitidez a cada dia que o processo criativo é coisa sem começo sem fim, sem feriados, sem folgas. Tudo que acontece, absolutamente tudo, interfere nessa criação e o processo de criação interfere em tudo mais em cada um dos meus dias. Assim, cada conversa que tive em Belém foi preciosa, e até mesmo as conversas que tentei mas não pude ter, suscitaram questões.
Essa máscara tem despertado em mim conteúdos pessoais desconhecidos, outros que há muito estavam silenciosos, o que me faz pensar cada vez mais que este não é um processo inventivo, mas sim de despertar. Falando em despertar meus sonhos tem sido guias, orientações, lições, advertências que recordo com assombrosa clareza e detalhe. As palavras de Maria, de Flori, de Deltrudes, de Heloisa, de Mariana, de Rita, a presença de Tereza, de Vilma, de Darcy, ecoam em mim, hoje as escuto com atenção, mesmo o que já foi dito há muito tempo. Não é tarde não. Sempre há tempo para entender as coisas e modificar nosso modos operandi. Quando olho para a máscara hoje vejo todas as mulheres que cabem ali, que estão ali antes de mim, minhas mães -pois tive algumas à exemplo das bruxas do teatro que conheci e me influenciaram, Charone, Lima, Franca, Jansen e muitas outras - minhas avós, bisavós e as antes delas. E falando nelas voltei de Santiago com a ideia que desde o começo me inquieta: Quero ter uma cobra!  Uma cobra para construir um jogo de cena com a Bufa. Mas de onde vem essa ideia que serpenteia já há algum tempo em mim? Essa é uma das questões para o papel. Tenho um amigo mago Roosevelt que diz que nenhuma ideia vem à toa, nada é aleatório, então se a cobra surge para mim o que vem me dizer? Convicta da ideia de fazer uma cobra e estando em minha cidade, cercada de amigos de cena e da rede emocional/profissional que me ampara, pedi a um outro amigo mago e bonequeiro, Pacha, que me fizesse uma cobra. Mais que isso, me ajudasse com a sua magia particular. Dessa conversa que tivemos surgiu a Honorata (assim batizada em homenagem a minha bisavó indígena). Uma cobra coral, oráculo que me guia, a Bufa seria portanto, não sua proprietária, mas sua serva. Meu desejo hoje é construir um espaço de encontro na rua que esteja entre o terreno do ritual e do arte(o)fício, experimentar a provocação da cura pela arte, de forma declarada e até mesmo Charlatã.
Duas questões importantes surgem:
_ Como criar então um espaço onde a pessoa que passa se sinta convidada, ou no mínimo curiosa, para experienciar uma vivência artística ridícula?
_ Como criar um espaço de terreno do sagrado, onde um pequeno ritual vai acontecer com o intuito de liberar de algum sofrimento aquele que ali se dispôs; através do riso, da brincadeira e da alegria?
Sinto que tenho várias ideias mas não consigo transformá-las em ação, me falta sala de ensaio para colocá-las no corpo. Tenho me sentido congelada, pois não consigo acessar o humor na máscara. Pacha me ajudou a entender isso, estou com medo de com minha ação fazer com que as pessoas riam da miséria. Não é isso. Não pode ser. O intuito disso tudo é fazer com que as pessoas que são atravessadas por essa figura se sintam melhores do que antes, não gostaria que fosse o contrário. A impressão que gostaria de deixar ao espectador nessa relação com a figura que mora na rua é a de respeito mútuo, em lugar do asco, medo, raiva, pena e outros sentimentos depreciativos que comumente se vê no conflito social em direção à pobreza.
Então enquanto a cobra não estava pronta, resolvi aceitar o convite de um outro feiticeiro, chamado Nascimento, e vestir a Bufa para tomar um café pela cozinha do Casarão do Boneco e conversar. Conversa meio estranha porque percebi que em uma situação bastante cotidiana, como tomar um café, tenho mais dificuldade em acessar essa ânima. Nascimento me disse depois _ Engraçado que ela não te altera muito. Mas ela me fez falar...
É verdade, o estado um pouco vazio e rasteiro da Bufa naquele momento fez com que outros falassem mais do que eu, disse poucas coisas, não fiz muito mais do que comer e tomar café. Fiquei pensando nisso e rememorando outros momentos com ela em que a energia é bem diferente, à exemplo nas saídas coletivamente em cortejo pela rua (com Dirigível e Viramundo, especialmente no Bloco de Carnaval que inventamos este ano, o BEC BLOCO, que não tem data certa de sair e faz folia o ano inteiro). Quando saio de Bufão no BLOCO é sempre tocando uma alfaia, instrumento de percussão bastante pesado, forte e grande. Com ele o corpo com a máscara é outro, sinto que há uma diferença de tonicidade nesse corpo, que sinto próximo do corpo que sente a fissura pela abstinência da droga, um corpo vivo, muito vivo, quase morto de tão vivo, violento, veloz. Acho que a pergunta aqui a seguir não é como manter esta energia sem a alfaia, mas é, que outras energias devo acessar quando não estiver tocando alfaia para ainda assim manter a ânima da máscara?
Outro ponto importante da estada em Belém foi o treinamento de circo que fiz. Articulei junto com Trindade, jovem feiticeira, um grupo de treinamento em circo com o objetivo de desenvolver habilidades acrobáticas e fortalecimento do corpo do atuante. Ainda uma ação com o intuito de movimentar energias dentro do Casarão do Boneco. Pena que só fiquei em Belém por mais um mês e segui viagem, mas tenho me obrigado a manter uma disciplina de fortalecimento do corpo.
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Tenho começado a entender a importância de guardar alguns segredos, por essa razão vou guardar o que também não consigo descrever, mas que tem a ver com um grande processo de autoconhecimento, de transformação, através dessa máscara.
Ah, a cobra está pronta mas ainda não teve uma aparição. Abaixo fotos da saída do Bec Bloco que por sincronicidade contou com uma linda parceria com uma turma de Dança Afro! E do bate-papo realizado no Casarão Viramundo.
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abufagira-blog · 7 years
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Correções
Em uma postagem anterior intitulada “Redes, colaboração, coletividade, cooperativas, atividades auto gestionadas...” eu afirmei que quase tudo que se fazia em Santiago nos 20 dias em que estava lá, acontecia de forma auto gestionada, isto é, de forma horizontal, independente/autônoma em relação ao poder público. Pedi que Ignácio e Maria José, o casal que me recebeu em sua casa, lessem o relato que escrevi porque queria saber o que achavam. Nacho então disse que achava engraçado que minha impressão de Santiago fosse esta de que tudo que se faz é de forma autogestionada e que ele não via dessa maneira. Fiquei pensando sobre o que ele disse e vi que não deixei claro que quando falo sobre qualquer impressão durante esse processo estou falando do ponto de vista de meu cosmos, dentro da lente da biologia cultural que compreende que tudo que é dito é dito por alguém e que cada um de nós é o centro de seu próprio cosmos, não existindo portanto uma verdade, ou realidade única a ser desvendada. Não tenho como quantificar as atividades que acontecem de forma auto-gestionada em Santiago/Chile, posso apenas tentar registrar as impressões de uma experiência, neste caso, a experiência que vivenciei lá durante o mês me levou a conhecer dezenas de pessoas e uma dúzia de projetos e organizações que funcionam de forma independente ao poder público, sejam no âmbito da moradia, educação, cultura, organização popular, movimento social e político.
Outro deslize nessa mesma postagem foi passar muito superficialmente por um tema muito importante e transformador que conheci em Santiago. As comparsas de Carnaval. Nacho e Cote me contaram então uma longa história e segue aqui como compreendi:
As comparsas de carnaval são tradição vasta na América Latina. O Chile, entretanto, há mais ou menos uma década atrás não mantinha essa tradição e foi apenas em julho de 2006 que a escola carnavalera Chinchin Tirapié surgiu, na perspectiva de resgate dessa manifestação tradicional perdida pela proibição durante a ditadura (golpe militar de 1973-1990).
Interessada em criar e aprender a cultura da mítica Chinchinera (em relação ao tambor de rua original do país, base de sua sonoridade, o Chinchin) e os oficios que se conjugam no carnaval como os “Bailarines”, “Figurines” (que usam máscaras), e músicos. Movidos para além da necessidade estética de criação, a comparsa de carnaval ganhou força ao servir como instrumento de luta e resistência dentro dos bairros e comunidades, especialmente nas que se encontram em situação de maior vulnerabilidade social. Este foi um movimento de tomada do espaço público pela população, uma ação de empoderamento e cuidado, como o nome mesmo aponta - em português, Chinchin Terapia. A Comparsa ao longo do tempo foi crescendo em integrantes até se ramificar dando origem à outras, hoje são dezenas de comparsas espalhadas pelo país. Abaixo fotos de um carnaval que pude acompanhar em Santiago, com dezenas de comparsas.
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Nacho me explicou ainda que o crescimento das comparsas estava diretamente ligado às manifestações políticas que aconteciam em 2006 lideradas pelos estudantes secundaristas. Na época eram realizadas grandes marchas (à exemplo do que se vê no Brasil hoje no movimento de resistência ao golpe de 2016 e ainda antes que vem acontecendo desde 2013), ao longo de uma década as marchas políticas no Chile foram se transformando e ganhando colorido, a arte virou instrumento de luta. As marchas ganharam força à medida que as comparsas de carnaval foram sendo agregadas neste marchar, ao mesmo tempo a cada marcha as comparsas ganhavam mais e mais adeptos. O movimento popular de protesto político no Chile percebeu que não bastava reivindicar marchando, as armas hoje são outras. Assiste o trailler desse documentário sobre o assunto, e o outro de uma apresentação da Chinchintiraíé no velório de Pedro Lemebel em homenagem ao artista.
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abufagira-blog · 7 years
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Algumas dicas
Dias depois voltei a praça de armas, desta vez vesti o Bufão em casa e fiz do trajeto até a praça o rito de presentificação da máscara. Pelo caminho ia sentindo os olhares na minha direção, alguns curiosos, outros apreensivos, outros verdadeiramente enojados. Imaginei o que seria viver nas ruas e receber olhares do tipo todos os dias, ainda assim tenho o privilégio da máscara, que me protege além de me revelar, a máscara diz de antemão ao transeunte que me encara:_ Sou de mentira, ficção, pode olhar, pode expressar o que bem entende, eu existo para isso!
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Alguns olhares feriram mesmo. Continuava o trajeto com a mente turbulenta, cada olhar que me atravessava virava pensamento me perguntava: Por que algumas pessoas tem tanto nojo da minha figura Bufa? O que tanto assombra? Sendo a arte um espelho (quebrado) da realidade, será que a mulher que me olha enojada se vê em mim ali miserável e tem medo? Ou será que reprova minha atitude pelo sentimento de recusa e intolerância com o que é outro, com o diferente? Como fazer com que a Bufa provoque a reflexão à respeito desse olhar, como alguém enojado pode se perceber e rever? Como fazer com que esse espelho gere empatia e não repulsa? Essas são mais algumas questões para o papel (Alschitz).
O caminho estava longo e peguei um ônibus, é comum entrar sem pagar e como não tinha dinheiro assim o fiz, acho que as pessoas do ônibus esperavam que eu iria fazer alguma apresentação porque estava ali de máscara, mas eu só estava pegando um ônibus. Estou aos poucos aprendendo a lidar com a expectativa e frustração que a Bufa tem gerado. Me sinto desconfortável porque estou habituada a ter uma cena a apresentar, um número, algo digno de algumas palmas no final, mas ela não tem isso. A Bufa provoca alguns risos às vezes, no ônibus troquei alguns momentos de divertimento com alguns passageiros sem falar quase nada. Acho que assim como me encho de questões à partir do olhar dos outros sobre a Bufa, as pessoas que me vêem também devem se perguntar algumas coisas, pois vejo caras de dúvida, curiosidade, talvez se perguntem: _ Porque ela está assim? O que ela quer com isso? Vai me pedir dinheiro? Vai me constranger?
Quando cheguei na praça ela estava como da última vez, cheia de gente, muitos aglomerados de pessoas assistindo alguma apresentação de dança, teatro, stand-up, etc... armei meu palco, isto é, as 3 placas e me pus a tocar - tenho um vasto repertório de 3 músicas, incluindo a música tema de Romeu e Julieta do Zeffirell e “parabéns pra você”. Algumas pessoas se aproximaram, mas não ficaram por muito tempo. Experimentei apresentar o maravilhoso espetáculo da mulher invisível, que consistia em tocar uma música e anunciar que somente hoje e somente ali todos veriam o grande espetáculo da mulher invisível, perguntava a todos se já tinham visto a mulher invisível, ninguém havia visto. Então pedia que fechassem os olhos por 10 segundos, quando abriram eu estava deitada dormindo no papelão. Não houveram palmas no final, estou tendo que me acostumar com essa sensação de realmente não ser bom o que faço. É um pouco frustrante, mas depois de passar a tarde ali tentando e só ganhar meia duzia de moedinhas saí para conversar com as pessoas. 
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Foi aí que conheci Lúcio. Ele mora no calçadão da igreja bem do lado da escadinha e ganha a vida pulando corda, isso não seria lá muito interessante se não tivesse Lúcio mais de 70 anos. Era incrível a agilidade que ele tinha pulando corda e o panorama da igreja com a escadaria estranhamente me lembrou o Rock Balboa, mas não vou divagar sobre isso. Começamos a conversar e percebi que ele tinha se solidarizado com a minha situação, viu que meu show não rendeu muito dinheiro, como o dele - Lucio fazia muito dinheiro pulando corda, era realmente impressionante e sempre que pulava lhe davam dinheiro, notas altas às vezes. Me contou que tem um público cativo e que se eu ficasse por alí pela praça de armas por uns dois meses todos iria me reconhecer depois de um tempo e ficaria mais fácil ganhar dinheiro. Me explicou também que minha máscara é um pouco feia e por isso não ajuda, sugeriu que eu colocasse uma barba nela, vermelha ou amarela, e fizesse uns movimentos com os braços, ele me mostrou lá e não tenho como reproduzir aqui em relato, afinal o relato jamais pode se confundir com a experiência. Disse que eu deveria continuar porque ainda havia muita gente transitando até altas horas, mas expliquei que estava cansada. Ele disse que entendia porque quando chegou por lá há quarenta anos atrás, dormir na rua pela primeira vez foi _ Uhhhhhhhhhhhhh! Muito ruim. Mas agora é tranquilo. Disse que ali tem que ficar de olho mas não se preocupa com o perigo porque tem muitos amigos por lá, todos o conhecem. O resto da conversa foi bastante entrecortado pelo fato de ser meio surdo e eu ser estrangeira. Eu perguntava coisas que ele não entendia, então me respondia outras, algumas eu compreendia, outras não, tinha algumas janelas no sorriso e isso também deixava um pouco difícil de entender o que me perguntava. Entre uma pulada de corda e outra ele jogava iôiô, também era um ótimo número, ele era habilidoso e tinha um bom Iôiô. O dia acabou com a necessidade de melhorar o meu número. Já estou em Belém tentando agora escrever os relatos que ficaram atrasados, como esse, mas queria poder dizer ao Lúcio que me ajudou muito com as dicas, acho que não vou fazer a barba vermelha nem amarela, mas com certeza estou reinventando o número, queria poder ter ajudado ele também, afinal sou professora de teatro, deveria ter alguma coisa para “ensinar”, mas o número dele era realmente bom eu só aprendi mesmo! 
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abufagira-blog · 7 years
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Presente contínuo cambiante
Compreendendo a lei sistêmica N°15: Presente em contínua mudança.
“Uma unidade composta (ou sistema) opera em sua dinâmica interna em cada instante de acordo com suas coerências estruturais desse instante, num fluir de mudança sem alternativas e numa dinâmica estrutural que ocorre como um contínuo presente cambiante em que não há passado nem futuro. (...)”
“somente depois de ter feito o feito ou vivido o vivido que podemos dizer que nos enganamos; portanto, não cabe a culpa pelo erro ou equívoco vivido; somente a reflexão que convida a ampliar a consciência e a atuar de outra maneira na conservação da honestidade e do respeito por si mesmo.” ( Dávila e Maturana. 2009, 127)
Em um dos momentos em que me senti perdida nesse processo saí para caminhar e resolver coisas práticas, fui ao centro comercial comprar uma peça quebrada para consertar a câmera do celular com a qual faço os registros e me deparei com o paseo Ahumada. Uma passagem com uma circulação de pessoas tão intensa e diversa que congrega comerciantes, ambulantes, executivos, consumidores, turistas, policiais, artistas de rua,  moradores de rua, e muitos artistas moradores de rua em um fluxo tão intenso e pulsante que entendi que tinha que ir lá com a Bufa. Então preparei algumas placas de papelão com os seguintes dizeres: “Grande espetáculo: A Mulher Invisível!”;  “Já tenho a cachaça, o dinheiro é para comida” e “Procura-se público, Pago com Música + Comissão: :)”. A ideia seria encontrar um lugar no meio da passagem, vestir a Bufa e tocar trompete, as placas foram feitas para demarcar o espaço de apresentação. Entretanto, peguei o caminho errado e encontrei antes a Plaza de Armas, um lugar que me tomou de assombro. Vi uma quantidade enorme de pessoas vivendo na rua, enfermos, idosos, pessoas com mutilações no corpo, é claro que no Brasil o panorama é semelhante, mas o que mais me surpreendeu foi ver que a maioria dos que ali estavam usavam a arte para sobreviver nas ruas.  Senti a diferença que é estar em uma cidade aonde as pessoas param para ver uma apresentação artística na calçada, elas têm um respeito pelo artista que para mim foi uma experiência nova de vivenciar e esse valor dado a arte em Santiago acredito que faz da arte de rua a arma que o povo da rua tem para viver, não sei para onde ela aponta, mas está lá. Cegos cantando, pessoas com alguma tipo de deficiência tocando instrumentos,  fazendo mágica, teatro com bonecos, pintando, jogando tarot...
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A praça fica tomada por distintos aglomerados de pessoas, algumas preferem assistir ao grupo de hip hop, outras ao show de stand-up, outras ao teatro de bonecos... A esta altura estava tão atordoada com o fluxo da praça que me aproximei sem perceber de uma roda de apresentação de street dance, era um grupo de garotos, e vi que havia uma pequena confusão acontecendo, uma moradora de rua havia entrado no círculo durante a apresentação deles e eles estavam tentando retirá-la dali, e começaram a fazer piadinhas sobre a aparência dela e empurrá-la um para o outro dizendo: _ Toma a tua namorada! e _ Dá um beijo nele!
As pessoas que assistiam aquilo riam da situação, mas eu fiquei embrulhada, em todos os sentidos que a palavra embrulho traz, enjoada e enojada com a forma que trataram ela, e embrulhada como se não pudesse me mover, paralisei e me senti pequena diante de tudo aquilo. O que eu estava fazendo ali, afinal? Foi muito rápido o que aconteceu, logo já tinham ligado a música e estavam dançando, ela se misturou na multidão e não a vi mais. Depois disso não tive mais coragem de fazer o que fui fazer, fiquei assombrada pela questão: _ O que quero dizer às pessoas com a Bufa? Como fazer com que o riso que o bufão provoca não seja um reforço da humilhação vivida pelo povo da rua? Como fazer com que o público não ria da pobreza, da miséria e da dor de outros seres humanos? Como fazer com que o riso seja cura e não a doença?
Nesse dia voltei pra casa com a Bufa ainda na mochila, e mesmo sem vestir a máscara ela me trouxe uma transformação, voltei pra casa um pouco enferma, um pouco velha, um pouco mutilada, pensando “Que ingenuidade a minha, vir à praça de armas assim de peito aberto, sem nenhuma armadura...”
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abufagira-blog · 7 years
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Rukalaf
O nome tem origem Mapuche  - povo originário do Chile- e significa casa de alegria.
É um espaço público municipal que funciona como Centro de Referencia para assistência à pop rua. Oferece alojamento, serviços básicos e o que chamam atividades recreativas. As atividades que realizei por lá se encaixam neste último, apesar de que eu não as encerraria na ideia de recreação que remete à distração, entretenimento e relaxamento, e pouco deixa nítida a importância enquanto promoção à saúde e bem estar, que proporciona condições para a transformação de vida e reorganização psíquica através da liberação do sofrimento.
Frequentei algumas vezes e acompanhei atividades como cineclube, uma assembléia geral entre os participantes fixos do espaço (no caso, os que utilizam o alojamento e portanto convivem mais) e ainda propus uma aula de teatro, com jogos teatrais  - Augusto Boal - e dois momentos de sarau, isto é, uma roda de conversa, com instrumentos, música e poesia, um desses momentos fizemos até uma fogueira no quintal onde assamos alguns vegetais e ceiamos juntos.
O perfil de grande parte dos usuários é o de pessoas que estão tentando superar a dependência de substâncias como o álcool, crack, cocaína e se reorganizar financeira e socialmente depois de perderem quase tudo. Esse perfil não é muito diferente do que se encontra em Belém, como o Centro Pop São Braz onde trabalhei como voluntaria em 2016. Mas o serviço difere e muito, a começar pelo perfil dos profissionais que trabalham no centro, em sua maioria jovens recém formados dos cursos de assistência social e psicologia que trabalham com muito mais entusiasmo do que em Belém, é perceptível que acreditam no trabalho que estão fazendo, tem amor pelo que fazem e respeito pelos usuários do serviço, outra diferença é a estrutura do espaço que possui o mínimo para o seu funcionamento digno, com sala de convivência, quartos, banheiros, quintal com horta e uma estufa, refeitório, cozinha- onde os usuários do serviço podem eles mesmos cozinhar o que se recebe de doações e também o que produzem na horta do lugar, também dividem tarefas do lugar como a limpeza e organização dos espaços. Percebi que entre Santiago e Belém os desafios são os mesmos para quem usa o serviço, mas a insatisfação com este é muito maior por aqui. Sempre que estava lá nesta residência lembrava que em todos os momentos em roda no Centro pop Belém um dos principais assuntos era a insatisfação com o espaço, os profissionais e o serviço oferecido, estavam sempre furiosos, estressados, indignados. Confesso que em Rukalaf não me parecia haver muita alegria, mas também não havia raiva em relação ao espaço; os usuários se entristeciam com os problemas da rua, e não do serviço de residência.
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abufagira-blog · 7 years
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Giro I - Valparaíso
Realizei até então pouquíssimas experiências de fato com a Bufa na rua, a primeira delas foi em Valparaíso, há duas horas de Santiago, que me faz lembrar de Belém por ser uma cidade de porto, boêmia e de tamanho mais ou menos equivalente. Cheguei em um domingo a tarde porque queria ir lá e haviam me recomendado que fosse neste dia porque haveria uma apresentação de um conhecido que eu também poderia chegar a conhecer, tentei contato com o tal artista por internet mas não conseguimos nos encontrar, pois quando cheguei descobri que era um evento com uma programação diversificada e mais uma vez auto-gestionada, a vizinhança do bairro “Puerto” decidiu em assembléia realizar uma atividade artística junto à tradicional queima do judas que acontece por lá todo ano, a iniciativa tem a ver com a vontade dos habitantes do bairro de transformarem o lugar que é entendido como perigoso e ponto de grande consumo de drogas em um espaço de convívio mais saudável para todos. Lá vi um espetáculo de palhaços muito bons que depois ainda me receberam em uma hospedagem solidária, pude conhecer o famoso TUGA que todos dizem ser o maior mímico do Chile e vi um número de manipulação de boneco que me instigou a preparar um número com a Bufa, ainda estou gestando o que será isso.
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Em Valparaíso saí às ruas com a Bufa que sinto agora que já não é a mesma que saiu de Belém. Tracei um trajeto para realizar com a máscara que levou duas horas de caminhada, com algumas paradas. Conversei com muita gente, mas me chamou atenção uma figura em especial, que foi Okel (não sei a grafia) um senhor de barbas brancas e longas, que assim que cheguei na praça Echaurren, onde havia ocorrido a programação no dia anterior, foi o primeiro a se aproximar de mim quando ouviu o som do trompete. Conversamos um pouco e me contou que morava ali próximo mas entendi que preferia estar sempre pela praça onde tinha amigos, como não parecia querer falar muito, apesar de ter vindo sentar do meu lado por espontânea vontade, não nos prolongamos na relação, acho que o que queria mesmo era ouvir um bom trompete, o que não pude lhe dar no momento pois toco 3 breves melodias e ainda me falta ar em todas elas, desculpe, Okel, quem sabe num próximo encontro. A sensação que tive nesta caminhada, além de perceber a diferença  do comportamento das pessoas em um meio completamente diferente do que é o norte do Brasil, em vários sentidos mais frio, é de que a presença do bufão está realmente mais próxima do povo da rua do que da energia do palhaço, pois sinto que apesar do palhaço causar certo medo nas pessoas, e em algumas até aversão, o palhaço é recebido com mais simpatia, com sorrisos e curiosidade. Sair com a máscara de bufa, entretanto, me deu a sensação de que as pessoas que estão pela rua transitando, isto é, em movimento, indo de um lugar ao outro, que geralmente são trabalhadores de classe média ou baixa olham para a Bufa com medo e certo incômodo e impaciência, a estas pessoas não me parece ser aprazível essa presença maltrapilha que se coloca na rua a tocar e que intuem que logo vai lhes pedir dinheiro. Somente os moradores de rua e pessoas que trabalhavam na rua (garis, vendedoras, pedreiros) se aproximaram de mim durante todo o trajeto com simpatia e alegria. Talvez isso seja um reflexo do que produz a máquina do capital, que transforma tudo em produtividade já que tempo é dinheiro, então tudo tem de estar em movimento, eficaz e ligeiro, tudo é transformado em fluxo, em espaços de trânsito e não de encontro, assim, não se pode parar e os que estão por ali parados, fixos, são um pouco como parafusos soltos da máquina de controlar e converter as paixões em fluxo de caixa, capital de giro, moeda corrente...
Senti a necessidade de construir um mecanismo que deixe claro uma fala com a presença desse Bufão, algo que comunique de imediato ao público a que veio esta artista de rua embriagada que não é lá muito boa no que faz (qualquer semelhança com a realidade é mera autopoiésis). Infelizmente tenho dificuldades em realizar bons registros de cada experiência, visto que viajo só, então quando sinto que é possível peço para alguém que está olhando fazer alguns registros. Aqui estão eles:
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Quando saía de Valparaíso encontrei com Okel sentado na parada de ônibus, e pedi ajuda para tomar o ônibus certo até a rodoviária, falei com ele com a naturalidade com que estávamos conversando no dia anterior, entretanto não estava mais usando a máscara de Bufa e ele me ajudou sem ter certeza de com quem estava falando, fiquei então pensando que deixei ele na dúvida de se era eu ou não quem estava conversando com ele de máscara no dia anterior, e percebi que isso também acontece comigo, me misturo, confundo e me aparto dessa máscara. Curioso é que a Bufa se chama Darcy, e assim me apresento, mas às vezes quando estou muito à vontade com a máscara na rua e alguém me pergunta meu nome respondo com a verdade que é e que pode não ser: _ Ana!
De todo modo, sabendo ou não com quem estava falando, Okel estava com um sorriso diferente, entusiasmado, talvez porque falávamos alegremente e com intimidade como se fossemos amigos de muito tempo a se reencontrar, ao menos foi o que eu senti, e foi muito rápido, porque logo o ônibus passou e eu me fui do ponto. Okel ficou lá, porque me parece que só estava ali sentado, não ia a lugar algum.
* Mas agora está aqui na minha cabeça, resistente como um parafuso solto.
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Valparaíso, 17 de abril de 2017.
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abufagira-blog · 7 years
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Redes, colaboração, coletividade, cooperativas, atividades auto gestionadas...
Auto gestão, assim se diz por aqui de todas as atividades coletivas realizadas de forma horizontal e independente/autônoma em relação ao Estado, ao poder público.  Nestes 20 dias que estou em Santiago percebo que quase tudo que se faz por aqui acontece de forma auto gestionada, coletivamente. A exemplo do casal de amigos Ignácio e Maria José (Nacho e Cote), que me recebem em sua casa como hóspede, que fazem parte da:
Cooperativa de Vivienda Yungai - Cooperativa que começou com 30 pessoas e hoje se sustenta com 7, tem por objetivo a compra de um imóvel coletivo para abrigar essas 5 famílias. Estas pessoas decidiram organizarem-se desta forma devido ao valor dos imóveis em Santiago ser altíssimo e porque o financiamento bancário para uma única família significa endividar-se o equivalente a quatro vezes mais que o valor do imóvel. Ser uma cooperativa de vivienda (entende-se vivienda como moradia) significa trabalhar nos moldes da cooperação, que tem por princípios: 1- Auto gestão; 2- Ajuda mútua; 3- Propriedade Coletiva. Então todos os domingos os membros da cooperativa de Vivienda de Yungai (Yungai é a comuna onde estamos)se reúnem aqui na Casa de Nacho y Cote para cozinhar e vender empanadas na rua (empanada é um tipo de salgado típico do Chile), estão arrecadando dinheiro para realizar uma festa no final do mês com o intuito de arrecadar mais dinheiro, a idéia é conseguir construir um fundo financeiro coletivo para pleitear um financiamento público ou privado mais acessível para a compra do imóvel. Pela cooperativa realizam ainda ações de articulação no bairro, realizam oficinas para outras cooperativas similares, fim do mês vão participar de um encontro que estão construindo coletivamente com a Rede de Habitação popular do Chile (Red habitat popular de Chile) como vão fazer ao fim do mês o Encontro da SELVIHP - Secretaria Latinoamericana de Vivienda y Habitat Popular - que irá congregar diversas organizações, do Brasil se fará presente alguns representantes dos MST. A previsão da Cooperativa yungai era de que em 3 anos conseguiriam comprar o tal imóvel, entretanto, Cote me disse que já estão juntos nessa articulação há 2 anos e ainda tem muito pouco em caixa e que muitos desistiram no caminho, o que dificulta e atrasa as previsões, agora a previsão é que serão necessários uns 10 anos de permanência da cooperativa até conseguirem. De minha parte me senti muito inspirada pela convicção e articulação de todos em produzir estratégias de combate à especulação imobiliária no Chile e pela gana de construir novas formas de conviver. Ajudei-os há dois domingos atrás a fazer um vídeo na rua convidando as pessoas à irem a esta festa que estão organizando, pois a venda dos ingressos vai para o fundo e para o Encontro. Aprendi também um pouco sobre sua forma de organização autogestionada e de quebra a fazer empanadas!
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Comparsa de Carnaval - Nacho e Cote se conheceram em uma comparsa de carnaval chamada Chin-chintirapié, assim como conheceram Camila Guerrero, minha amiga Chilena que conheci no Brasil há dois anos porque viajava mochilando e ficou hospedada no espaço Casa Dirigível, na época sede do meu coletivo, Camila trabalhanas ruas com seu instrumento como Chinchinera, ela foi minha conexão com Nacho e Cote nesta rede que vem se construindo ao longo da pesquisa e que facilitou minha hospedagem na casa dos dois em Santiago.As comparsas são grupos que em geral são fruto de uma organização popular dentro de cada bairro que se reúnem para fazer “carnaval”, a palavra tem um sentido aproximado mas não é o mesmo carnaval que temos no Brasil, aqui o Carnaval sai às ruas durante o ano todo, sendo que no inverno com menos frequência, e cada comparsa tem em repertório diferentes espetáculos, com uma dramaturgia própria que em geral conta a história ou tem como temática a cultura dos povos originários do Chile. Fomos no sábado, 15/04, participar de um carnaval que contou com a presença de 5 comparsas distintas, segundo Cote este foi pequeno porque existem carnavais com 30 comparsas.
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Cooperativa de Crianza y Educación Libre “Criando Juntos”- Os gêmeos, filhos de Cote e Nacho estudam em uma escola livre auto gestionada pelos pais. Começou como um circulo de mães que se revezavam a cuidar da educação dos filhos conjuntamente, reuniam-se na casa de Cote pois é um espaço bastante grande para uma família só, e aos poucos foi crescendo e se tornou hoje uma escola de educação livre onde todos os pais cooperam. Existe uma mensalidade que serve para pagar o aluguel da nova casa onde funciona hoje e a uma pequena equipe de educadores. Uma vez por semana cada um dos pais tem de ir a escola para auxiliar na logística dos almoços e asseio das crianças, bem como contribuir com a doação de uma parte da comida. A escola funciona de terça à sexta, sendo a terça dedicada a aulas de música - ministradas por um pai de aluno - nas quartas as crianças cozinham, quintas são para cuidarem da horta e as sextas fazem um passeio pelos arredores e almoçam em forma de piquenique em algum parque ou horta nas proximidades da escola, existe um cardápio pré-acordado durante a semana para que se tenha um parâmetro de nutrição saudável, as crianças tem de 2 a 4 anos. Para chegarem neste formato de organização os pais se distribuem em comitivas como: Comitiva de administração; comitiva de logística; comitiva de oficinas de formação para pais... e assim organizam suas vidas, horários e dinâmica de trabalho em função dos filhos.A escola se chamava antes esperanza porque é o nome da rua onde ela começou, mas de fato o nome aponta para muito mais do que um lugar, aponta para um tempo, diferente deste em que estamos vivendo golpes político-jurídico-midiáticos, ditas crises econômicas que em verdade são estruturais, ataques à democracia, avanço do capitalismo feroz que se apropria dos nossos corpos e nossos afetos. Diante da crescente perda de direitos, guerra civil que se inflama, às voltas de uma terceira guerra mundial Esperanza me leva para um tempo onde as utopias de fato acontecem. Anne Bogart já dizia que a Utopia não é algo no futuro, mas algo que se vive aqui e agora.“O ato de fazer teatro já é utópico porque a arte é um ato de resistência contra as circunstâncias.” (BOGART. 2011 p.150)
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Tenho a necessidade agora de falar sobre esta outra grande mulher, que não é a Anne Bogart, é a Maria José - Os dois nomes mais comuns entre a população brasileira, o masculino e feminino, a mãe e o pai de Cristo, como o dito popular, mãe de deus e o mundo - que tem por apelido Cote é a mãe dos gêmeos Antu e Amaru, nomes de origem Mapuche (povo originário do Chile). Cote trabalha com mães, ministrando oficinas para grávidas ou mães com recém nascidos e também como uma forma de consultoria que acompanha durante um certo tempo o par mãe-bebê em um trabalho pedagógico de cuidado e acolhimento. Começou agora a gravar uma série para tv que vai se chamar “Conversando con Mama”. Além de cuidar dos gêmeos, gerir coletivamente a Cooperativa de Crianza y Educación Livre e a Cooperativa de Vivienda Yungai, e de ser “figurine” (entendo como semelhante ao termo “brincante” no Brasil) na Comparsa de carnaval Chin-chintirapié Cote é requisitada pelos remédios naturais que produz a partir de plantas e ervas. É para mim a referência mais próxima de uma conduta matrística em seu conviver, com a qual aprendo muitíssimo todos os dias. Compreendendo por  matristica em oposição à noção de patriarcado, modelo segundo nossa sociedade contemporânea ocidental é estruturada e que se configura, no entendimento de Maturana enquanto cultura que “valora a guerra, a competência, a luta, as hierarquías, a autoridade, o poder, a procriação, o crescimento, a apropriação dos recursos,e a justificação racional do controle e da dominação do outro através da apropriação da verdade”.
Uma cultura matrística, ancestral e apagada pelo tempo, seria então um caminho de mudança para as problemáticas geradas pelo patriarcado, pois não estaria pautada “(...) en conversaciones de guerra, lucha, negación mutua en la competencia, exclusión y apropiación, autoridad y obediencia, poder y control, bueno y malo, tolerancia e intolerancia, y justificación racional de la agresión y el abuso. Al contrario, las conversaciones de dicha red tienen que haber sido conversaciones de participación, inclusión, colaboración, comprensión, acuerdo, respeto y conspiración.” (mais aqui: http://metiendoruido.com/2014/06/cultura-patriarcal-y-cultura-matristica/)
Mais desafiador do que conectar através de uma prática artística ciência, convívio, espaço público e experiência (que segundo Jorge Bondía Larossa não é algo que se passa, mas algo que nos passa), é sistematizar isso em forma de escrita, então ainda não vou me preocupar muito com isso e com nenhuma resolução. Me interessa no momento encontrar questões, e escrever um relato solto como esse me trás algumas. Às vezes me pergunto, cética e dura: Ah, mas o que importa uma comparsa de carnaval no Chile com o Fascismo instalado no Brasil?
ou
Que importancia tem uma organização coletiva em busca de financiamento para compra de um imóvel diante de tantos sem moradia alguma?
ou
O que pode uma escola livre pra uma dúzia de crianças no Chile em comparação com a Guerra na Síria?
Diante dessas questões que inspiram tristeza lembrei dele o grande especialista em pequenezas:
“Prezo insetos mais que aviões. Prezo a velocidade das tartarugas mais que a dos mísseis. Tenho em mim esse atraso de nascença. Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos. Tenho abundância de ser feliz por isso. Meu quintal É maior do que o mundo.”
Manoel de Barros
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abufagira-blog · 7 years
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La Máscara
Esta semana vivenciei uma oficina de confecção e outra de manipulação de máscaras com Ana Gladys Arce e Amiel Caio. Amiel é ex-integrante do Grupo Yuyachkani do Peru, reconhecido pelo trabalho com máscaras e a cultura tradicional Andina. Ao final da oficina houve uma apresentação de seu espetáculo solo Kussillos inspirado em personagens cômicos andinos. 
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Espetáculo Contra el viento do Grupo Yuyachkani, de 1989.
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Máscaras do acervo de Amiel Cayo.
“A máscara para Copeau, segundo Leabhart, era uma volta às origens, ao ator xamã, ao sentido primitivo do teatro. Ele a compreendia não apenas como um suporte de expressão, mas como um instrumento poderoso de conexão com o universo interior do ator” (ICLE, 2010, p. 09)
Na oficina de manipulação trabalhamos com máscaras inteiras e meias-máscaras em um trabalho que Amiel trata enquanto treinamento do ator como Xamã, e ao qual exige maior respeito e solenidade ao manusear e vestir. Ando me questionando inclusive o quanto cultivo de desleixo no uso da máscara.  Exijo dela resultados e meios de realizar um rito que é o teatro, mas como exigir isso sem ter nenhum rito ao tratar com a máscara?
Não vou delongar em descrever a metodologia de trabalho da oficina, mas sim falar da sensação que a experiência me trouxe, que foi de um grande enfrentamento com a máscara. A máscara que desejo investigar nessa pesquisa é uma meia-máscara que cobre tão somente nariz e bochechas:
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Entretanto, utilizei apenas as máscaras selecionadas por Ana e Amiel para a oficina. Ao usar diferentes máscaras percebi que na realidade ela é quem nos exige, não estamos ali criando um corpo, uma coluna vertebral, um modo de andar que seja totalmente fruto do devaneio particular. Cada máscara exige um tônus diferente, a corporalidade que lhe cabe, uma fala própria e não respeitar isso é o mesmo que ler um livro de cabeça para baixo. No primeiro dia escolhi usar uma máscara inteira de diabo sem saber que eu não tinha o necessário para dar ânima àquele espírito que ali adormece enquanto não a usamos. Só pude ter esse entendimento, isto é, essa tomada de consciência, ao colocar a máscara. Gilberto Icle trata em seu livro O ator como Xamã:configurações da consciência no sujeito extracotidiano que  “a consciência consiste em construir um conhecimento sobre dois fatos: um organismo está empenhado em relacionar-se com algum objeto, e o objeto nessa relação causa uma mudança no organismo” (DAMÁSIO APUD ICLE, 2010, P. XVII) 
Ou seja, a máscara não está à serviço do ator, esta deve ser uma relação de interação mútua. Este trecho acima me lembra do que Maturana chama de acoplamento estrutural e ainda classifica em quatro domínios: domínios de mudança de estados, domínios de mudanças destrutivas, domínios de perturbação, domínios de interações destrutivas. A máscara representa para mim no momento do exercício uma perturbação que desencadeia uma mudança de estado.“(…)nos referimos ao fato de que as mudanças que resultam da interação entre o ser vivo e seu meio são desencadeadas pelo agente perturbador, mas determinadas pela estrutura do sistema perturbado. O mesmo vale para o meio: o ser vivo é uma fonte de perturbações, e não de instruções.” (1995, p. 131)
Ao experienciar a máscara de diabo senti que não conseguiria terminar o exercício, não parava de suar, não podia respirar, nenhum movimento que fizesse era orgânico, tudo mal encaixado, e um esforço descomunal para ter quase nenhum resultado, por vezes senti que ia morrer. Uma verdadeira batalha por trás da máscara que em verdade está à vista de todo o público, porque, ironicamente, não é possível se esconder atrás da máscara.
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“Desde que uma unidade não entre numa interação destrutiva com seu meio, nós, como observadores, necessariamente veremos entre a estrutura do meio e a da unidade uma compatibilidade ou comensurabilidade. Existindo tal compatibilidade, meio e unidade atuam como fontes mútuas de perturbações e desencadeiam mudanças mútuas de estado, num processo contínuo que designamos com o nome de acoplamento estrutural.” (MATURANA, 1995, p.133)
Há que se ter respeito, portanto, e a consciência das energias que me estão acessíveis de manejar no presente momento e as que não estão ao meu alcance. Nos dias que se seguiram vivenciei ainda uma máscara inteira de Gueixa, semelhante às usadas no NÔ japonês, esta qualidade de energia consegui explorar com um pouco mais de tranquilidade que a anterior.
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E encontrei também com uma meia máscara, semelhante à da Bufa que cobre nariz e bochechas, em pude exercitar mais o que gostaria nesta investigação. Descobri, inclusive, que a dificuldade com o idioma, em falar algumas coisas errado ou não entender o que os outros falam pode ser mais um elemento passível de jogo, afinal para o ator e especialmente o palhaço/bufão não há presente maior que o erro. A máscara usada foi esta abaixo:
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Mais algumas fotos do acervo do grupo Fuego Negro, que viabilizou a vinda do Amiel Cayo à Santiago. 
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Oficina de confecção de máscaras.
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Oficina de manipulação.
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Espetáculo Kussillos solo de Amiel Cayo sobre personagens cômicos mascarados da cultura andina.
“Assim como um Xamã o ator é sujeito de seu trabalho e está suscetível a determinados processos, configura sua consciência para obter êxito em seu trabalho e transcende seu corpo e sua mente para alcançar com todo o seu ser a platéia de observadores que, em última análise, é a razão de sua ação.” (ICLE,2010, p. XIV)
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abufagira-blog · 7 years
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Algumas explicações ou Uma longa história
Tenho feito bastante o exercício de explicar o que estou fazendo. Isso tem me ajudado muito a sintetizar o que antes para mim era muito difícil de falar, até porque acredito que essa investigação não tem um foco. Tem pontos de interesse que intuo que em algum momento vão se conectar durante o decorrer da pesquisa. Então aqui vai uma síntese do que tenho conseguido verbalizar sobre o que a investigação é hoje:
Esta é uma pesquisa realizada por mim, Ana Marceliano - atriz e professora de teatro - subsidiada pela bolsa de formação em artes cênicas 2017 pelo Ministério da Cultura Minc/FUNARTE, que investiga aprendizagem  através de uma experiência de criação artística a partir do Bufão em contato com a rua e em convívio com as pessoas que nela estão, em um movimento semelhante ao que os andarilhos fazem, estes que são também entendidos como povo da rua. Sob a perspectiva do fluxo da rede (movimento de expansão e contração) esta bolsa inicia com a partida de Belém – expansão - em viagem até Santiago/Chile, depois contração na volta de Santiago à Belém; em seguida em expansão novamente de Belém à São Paulo e de São Paulo à Berlim/Alemanha - e então em movimento de contração novamente- de Berlim à Belém . A cada um destes deslocamentos chamo aqui de giro.
Então, como primeiro giro da Bufa, irei de Belém até o Chile para participar do curso da Escola Matriztica, ao encontro de Humberto Maturanna, e à partir da experiência me permitir ser atravessada pela Biologia do conhecer, ou biologia do amor e as noções de pensamento sistêmico,  autopoieses...
Em segundo giro irei de Belém até São Paulo, entrar em contato com a Coletiva Vulva da Vovó, que se dedica a discutir o que viria a ser a produção e difusão da cultura feminista através de um fazer artístico livre, transversal e autônomo; identifico a potência da troca com este coletivo por ser constituído por mulheres que como eu estão criando e refletindo sob o viés político e pedagógico do teatro, inclusive com mulheres da ocupação Esperança em Osasco/SP.
O terceiro giro é até Berlim, onde reencontrarei o artista Russo, Jurij Alschitz (que pude conhecer em uma experiência de oficina muito breve, mas ainda assim transformadora, quando esteve em Belém em junho de 2016) desejo ir para participar do curso do AKT-ZENT (Centro de pesquisa do Instituto Internacional de Teatro) aonde leciona.
O último giro será até Belém, onde faço o movimento de contração final, o retorno ao ponto de partida após toda a experiência vivida. Ao retornar pretendo comunicar, multiplicar, emanar o que foi aprendido, tecido, traduzido, inventado durante a bolsa. A conclusão desta experiência de formação em rede será compartilhada em Belém, o formato ainda está por construir.
O ponto essencial da proposta é que o aprendizado não está tão somente nos cursos que farei ou irei facilitar nas quatro cidades, mas estará tanto quanto no trajeto que farei entre um ponto e outro desta rede de conhecimento que pretendo tecer, ou seja, o trajeto entre um destino e outro será realizado aos poucos, percorrendo assim as ruas das cidades com a Bufa. Este trajeto a ser percorrido é, portanto, livre e disponível ao acaso, guiado pelo que a experiência irá me lançar como desafio e aprendizado; entretanto os dois cursos, a vivencia com a Coletiva e o retorno à Belém serão os nós que amarram a rede tecida.
Minha busca enquanto artista nesta bolsa é vivenciar o aprendizado enquanto saber de experiência - Jorge Larossa - que se passa no corpo (corpo que é físico, político e poético) atravessando esses caminhos e me permitindo ser atravessada por eles em todas as dimensões, de forma a não dissociar a educação, da arte, do convívio,da saúde e da felicidade; e sim vivenciar tudo como uma grande experiência de conhecer. Pois o conhecimento não é uma forma, ou espaço físico e fixo, como uma escola, uma universidade, um edifício teatral, uma residência, mas sim movimento, ação, um fluxo, o caminho a ser percorrido dentro, fora e entre estes espaços.
Terminando por começar...
Esta investigação apesar de ser no momento bastante individual é fruto de um trabalho coletivo que há muito vem se construindo em Belém. E que não posso nem apontar onde começa para mim, mas sei que tem relação com meus últimos anos de trabalho na cidade e envolve a bolsa de pesquisa, criação e experimentação em artes cênicas, do Instituto de Artes do Pará de 2014, intitulada “Redes: ao encontro de nós”, por meio da qual pude investigar a noção de redes a partir de uma prática criativa junto a artistas de diferentes grupos das artes cênicas de Belém - In Bust Teatro com Bonecos, Cia de Investigação Cênica, Cia Madalenas, Projeto Vertigem e Dirigível Coletivo de Teatro.
Também envolve as ações de intervenção no espaço urbano com teatro, que tenho praticado em ações solitárias de intervenção com palhaço, bufão e contações de história no espaço público da cidade, mas em especial coletivamente dentro do trabalho do grupo de teatro da qual faço parte, o Dirigível Coletivo de Teatro, atuante em Belém-PA há 6 anos, meu principal espaço de convívio e aprendizado.
De forma mais recente e através de um prêmio Seiva de criação e difusão da Fundação cultural do Pará realizei um projeto intitulado A BUFA CEIA – ação que envolvia realizar 3 ceias de natal, servidas em praça pública com o objetivo de criar um espaço de encontro nas ruas através da música e do teatro do oprimido com Bufões. Para isso iniciei um trabalho com outros dois companheiros de grupo Paula Nayara e Armando de Mendonça dentro do CENTRO POP de São Braz, serviço da prefeitura de Belém que acolhe pessoas em situação de rua. A entrada neste espaço só foi possível através do contato que comecei a ter com o projeto VIRAMUNDO, que já trabalhava no Centro em ações como horta, oficina de dança e roda de conversa com música e poesia. E foi através desta conexão entre o projeto A Bufa Ceia e a “roda de mulambo” do VIRAMUNDO no centro pop é que pude me aproximar e conhecer o trabalho deste coletivo. O Viramundo é uma residência artística e científica, projeto de extensão da Universidade Federal do Pará da faculdade de medicina. O lugar, um casarão antigo da Cidade velha, bairro de Belém, congrega artistas, profissionais da saúde (médicos, psicólogos) e comunidade. O Viramundo foi o espaço que abrigou o trabalho da Trupe da Procura, grupo ativo há 7 anos na cidade e reconhecido pelo trabalho de cuidado por meio do teatro, especialmente da Palhaçaria, junto à populações vulnerabilizadas. assim fundimos as ações e o que para mim começou como um projeto pessoal dentro do Dirigível se tornou uma ação em rede que mobilizou outros artistas e coletivos a exemplo do Mãos dadas, a rede de saúde a exemplo do CAPS Marajoara, e se fundiu com outros projetos do Viramundo como o Baile do Completo e a República do Cuidado.
Se a leitura ficou enfadonha aqui vão algumas fotos que de alguma forma também sintetizam tudo.
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A Bufa Ceia + Baile do Completo em São Braz Belém- Fotos Gilberto Guimarães
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A Bufa Ceia + República do Cuidado em Praça da República Belém- Foto Gilberto Guimarães
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A Bufa Ceia + Baile do Completo em Praça Magalhães em Belém- Fotos Gilberto Guimarães.
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A Bufa Ceia + Baile do Completo em Mercado de Carne em Belém- Foto Gilberto Guimarães
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Espetáculo Sucata & Diamante do Dirigível Coletivo de Teatro em Praça Benedito Monteiro em Belém - 2014
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Espetáculo Sucata & Diamante do Dirigível Coletivo de Teatro em Mercado do ver o Peso em Belém - 2015
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Brinquedo Passarinho-Boi - Fruto da pesquisa Princípios da brincadeira popular na performance de rua - Da Bolsa de Pesquisa e Experimentação do IAP de 2015 realizada pelo Dirigível Coletivo de Teatro.
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BEC BLOCO - O bloco da redução de danos. Bloco de carnaval de todas as épocas. Uma realização Viramundo e Dirigível. Fotos Gilberto Guimarães 2017.
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abufagira-blog · 7 years
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Pesos, reais e transcendentais...
Dias de muito aprendizado! Oh, céus e como infelizmente o aprendizado pela dor funciona...
Tenho aprendido a andar, tenho aprendido a falar, tenho aprendido nos erros, tenho aprendido até em sonhos. Esses desde há muito que me recordo e os entendo todos como mensagens, conselhos de alguma parte, e os conselhos funcionam, porque acredito, sei.
Perdi o cartão que me dá acesso ao dinheiro para sobreviver aqui em Santiago, vou pular os detalhes de tentativas de busca e resgate, só vou dizer que não há outra maneira de sacar dinheiro sem esse cartão. E que a mistura de sentimentos que é se ver sozinha em um país que não é o seu e que não se tem nenhum dinheiro para comer ou se deslocar e nenhum conhecido a quem pedir ajuda é como um chamado para contemplar a beleza aterrorizante do desamparo. Um puxada de tapete do universo a me lembrar o quanto somos todos insignificantes e ao mesmo tempo o peso da responsabilidade de saber que não estou aqui por mim, para beber cerveja e perder algo importante. Tenho um compromisso com as pessoas que realmente não tem dinheiro para comer e se deslocar e nenhum conhecido a quem pedir ajuda. A gente de calle, ou pop rua, ou o sujeito em foco desta pesquisa.
Hoje começou a oficina de máscara, estamos confeccionando com argila e gesso. A cada dia que se passa esta mascara vai tomando formas mais aprofundadas (não delineadas) nos meus pensamentos. A tristeza que me abateu nestes dias pela irresponsabilidade que tive comigo e com o dinheiro público da cultura investido nesse projeto me apontou caminhos que ainda não tinha olhado com a necessária atenção. A necessidade, por exemplo de preparar esse corpo para um trabalho que envolve rito, sinto que a máscara como mediação entre a arte e o ritual está me cobrando um tipo de respeito para com o trabalho que não estava atenta ainda. Sinto que meu corpo anda rejeitando a bebida e tenho sentido a necessidade de uma mudança de hábitos. Há menos de um mês descobri que tenho problemas nos joelhos irremediáveis e que tem me exigido fazer exercícios físicos todos os dias pois à noite estão sempre doloridos, inchados, tenho feito regularmente e me sentido bem com isso. Quando durmo recebo conselhos e a cada manhã compreendo melhor como usá-los. E estar em um lugar que não é um lar e saber que não importa o quão bem eu fale e entenda a língua não faço parte, também tem sido uma espécie de meditação, pois, por mais simpáticas que sejam as pessoas ou que eu tente ser com todos, existe uma separação aqui. Sou estrangeira, visitante, forasteira, há uma bolha de isolamento à minha volta. Mas o silêncio não me atormenta, me ensina. Isto em particular me fez lembrar do que se diz que é necessário em algumas culturas tradicionais para ser um Xamã, o isolamento é uma delas. Hoje manipulando a argila e dando forma a esta nova máscara de velha, mendiga, bêbada, charlatona, cigana, feiticeira, bruxa, xamã, não sei mais, me vi acariciando com muito amor e silêncio o barro que sai da terra e se mostra gente diante de mim, gente que sou eu também, ali distinta e repetida, como serei no futuro, como fui ancestralmente, como sou e desde sempre serei...
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Quero dizer com tudo isso, que parece solto e desconexo, que é um mesmo caminhar, só não é em linha reta. Esta experiência de se conhecer e se ver conhecendo como um movimento espiritual, psicofísico, material, político, econômico, sentimental... é o que Maturana chama de conhecer o conhecer, em sua biologia do amor; que é quase o mesmo que Boal chama de teatro: “o ato de se ver vendo.”
Estou aqui em um estado de exaustão, mas tive mais essa prova do quanto uma experiência artística cura, porque a confecção da máscara esta noite foi a terapia que me permitiu aliviar boa parte da carga que foi se acumulando sobre meus ombros até então. Melhor dizendo, sobre os joelhos, afinal não à toa a moeda aqui se chama peso.
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abufagira-blog · 7 years
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Recuerde que el amor és vida!
Já está na hora de falar disso.
Há 3 dias estou em Santiago-Chile como parte da primeira etapa do projeto de pesquisa em teatro de rua com Bufão e população em situação de rua.
De início ia ficar hospedada na casa de uma amiga de minha amiga, mas por alguma razão desconhecida que venho chamando displicentemente de coincidência esta moça, Maca, não pôde mais me receber e dias antes me recomendou que ficasse na casa de Nacho y Cote (Ignácio e Maria José) casal simpatiquíssimo amigos dela e pais de Antú e Amaru, os gêmeos. Moram em uma casa encantadora em Esperanza - comunidade Yungay. Logo que cheguei a casa no primeiro dia Cote me levou para ver Cuenta Cuentos com os gêmeos em um centro comunitário aqui perto, não sabia ela que eu também cuento cuentos en Brasil, a primeira porém triste coincidência porque apesar de ser contadora de histórias em uma casa com dois garotinhos meu espanhol deficiente e demasiado pausado não seria capaz de manter a atenção dos ninõs de 3 anos. Pena. Mas que belíssimo trabalho que fazem ali com os niños pequenuchos, naquele dia além da contação de história também aprenderam a fazer uma bomba de sementes com terra e muita bagunça com lama e minhocas. Vale! A segunda e feliz coincidência é que Nacho, o esposo de Cote trabalha em um centro que atende “gente de calles”, espaço com atividades terapêuticas, com dormitórios e refeições, integrado em uma rede de atendimento que auxilia no tratamento para quem sofre por abuso de substâncias e os demais serviços de saúde. Esta “coincidência” ainda me choca, então no segundo dia aqui fui ao trabalho de Nacho e conheci toda a equipe que trabalha lá, composta por muitos jovens recém formados dos cursos de serviço social e psicologia, participei da atividade pela manhã de exibição de filme com debate ao final e pela tarde estive com a equipe na reunião para discutir a construção de uma composteira para a horta do espaço, que por sinal é bem grande e funciona, cozinham o que plantam! E ainda participei de uma assembléia com todos os usuários que começou com uma atividade com Pablo, que é ator e monitor no centro.
Pensando agora no último relato que escrevi por aqui sobre as questões para a Bufa, a visita ao centro me deu de presente mais três questões. Ao final do cine, que por sinal foi Circo das Borboletas - história de um homem sem braços e sem pernas que encontrou no circo a felicidade e sentido de sua existência (E que é um bufão senão isto?) - me foi entregue um papel escrito:
_ ? Que aspectos de tu vida sientes que te limitan a cumplir con tus metas personales?
A segunda questão e terceira questão recebi na atividade da assembléia, que Pablo, o ator, propôs. Todos recebiam um papel cada um com uma questão diferente, de um lado do papel havia a pergunta e atrás uma indução de sentimento de como deveriam dizer. À seguir as duas que ganhei:
_ Que quiero hacer de mi vida és... (diga esto con convicción) _ Siento amor o cariño por alguien o algo? (Recuerde que el amor és vida)
Vou levar um tempo a me debruçar sobre estas duas novas questões. Depois escrevo sobre por aqui.
Para encerrar com o número três, a última “coincidência” foi hoje. Acontece que me inscrevi em uma oficina de Máscara que vai começar na semana que vem, de confecção e manipulação, me inscrevi porque acho que vai ajudar no trabalho com a Bufa e porque foi uma recomendação da minha amiga Maria, atriz da Vulva da Vovó, coletiva com a qual vou trocar em agosto como segunda etapa do projeto. Pois bem, quando falei sobre o curso de máscara para Nacho ele também decidiu se inscrever e me revelou que faz um trabalho de máscara na rua, a que chamam carnaval, e me levou a um quarto de depósito da casa onde guardam muitas coisas e dentre elas várias máscaras que confeccionaram Maca e ele, me confessou ainda que com a chegada dos gêmeos teve que deixar de lado estas coisas por falta de tempo, mas agora com esta ideia de fazer a oficina está achando que é um sinal de voltar, então eu Nacho e Maca faremos a oficina, que se chama La Máscara - do coletivo Fuego negro e participação de um integrante do coletivo Yuyachkani grupo do Peru.
Insisto na palavra coincidir em parte como brincadeira, pois parece obra do acaso (mas seria este o instante de ordem no caos que Jurij Alschitz chama ensemblé?) , mas também chamo assim porque coincidir me traz a imagem de duas coisas caminhando em direção uma a outra até colidirem, se chocarem e no segundo seguinte reconhecerem a existência de uma e outra com surpresa. Um amigo me disse uma vez sobre sincronicidade, uma noção do Carl Jung que nunca estudei a fundo mas que segundo o google (rs) diz que: existe um principio de causalidade que liga acontecimentos que tem um significado similar pela sua coincidência no tempo em vez da sua sequencialidade e que há uma sincronicidade entre a mente e o mundo fenomenológico da percepção.
Este é inclusive o amigo que me acendeu uma vela para o abre caminhos para que eu fizesse boa viagem, e olha só a máscara mais bonita que Nacho já fez e me mostrou nessa manhã...
Ao que quer que seja que faz tudo por aí se encontrar só tenho a agradecer!
Ah sim, 3 dias - 3 coincidências - 3 questões!
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abufagira-blog · 7 years
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Tenho sentido a necessidade de me dedicar a essa máscara. Entender melhor do que se trata esse papel, personagem, persona, Bufa.
Comecei ontem a tomar o livro 40 questões para um papel como guia deste percurso, desta tentativa de aprofundamento. O autor Jurij Alschitz, com o qual irei encontrar em setembro no AKT ZENT em Berlim, diz nesse livro que a grande deficiência hoje no trabalho do ator é sua atitude passiva diante do processo de criação, falo disso aqui porque além de acreditar que ele está certo nesse ponto sei que esta é a MINHA grande deficiência enquanto atriz, a dependência viciante de um olhar à espreita, um alguém que de fora há de contestar o que quer que seja que eu faça em cena e propor, claro, algo muito melhor que prontamente executarei. Então este movimento de busca pessoal que o livro propõe e que desejo trilhar agora tem a ver com o reconhecimento dessa posição de espera em que tantas vezes me coloco e que me paralisa.
Ele me diz: “Mas é preciso buscar não a ideia do autor e de sua peça, não a nossa própria ideia, e sim a ideia por si mesma.”
?????
“O ponto é que as ideias, ou o campo de ideias, existem fora do dramaturgo, fora de sua peça e fora de nós. Elas não pertencem a uma determinada nação, a uma determinada época ou a um determinado acontecimento - elas existem desde sempre. O tempo, a situação, o desenvolvimento do pensamento filosófico e estético, de toda cultura e civilização “marcam” a hora em que a ideia virá ao novo Ésquilo, Shakespeare ou Tchékhov. O paradoxo consiste no fato de que estamos o tempo todo em busca de uma nova ideia, enquanto na realidade é ela que sempre nos procura, escolhendo alguém digno.”
Deixando de lado o tom boboca de enaltecer uma cultura de gênios, prodigiosos, grande eleitos e portadores da centelha divina, gostei desse trecho porque me abriu os olhos para a possibilidade de mudança de ponto de vista, isto é, não estou necessariamente inventando respostas, criando símbolos que depois serão usados no fazer teatral, eles já estão ali, preciso me perguntar o que é isso que já estou fazendo! Ao contrário de: O que vou fazer? A pergunta é: Do que estou falando quando estou Bufa?
Pois bem, a primeira questão do livro do Jurij (não que a ordem das questões importe, ele as propõe como pontos que constroem uma rede de questões) é:
_ O que é a ideia do papel? (...)“Qual a relação dessa ideia com o dia de hoje, com o passado, com o futuro, com você pessoalmente e com todas as pessoas(...)?
Algumas figuras femininas emergiram da “chuva de ideias” que se seguiu a essa questão, foram elas até então: Sédna (mitologia Inuit), Medéia, Joana Darpo (espetáculo da Palhaça Gardi Huter), Trump, mendiga, a bruxa, a moça-velha (expressão usada no interior pra tratar daquela que envelheceu sem se casar), a que “ficou para titia”, a velha, Virgo, a Matinta, a louca, a Xamã, Oráculo,Lilith, a pomba gira, a mulher sozinha...
Essa máscara que convoco para a brincança na rua me aparece agora mais do que nunca em grande fragilidade, por ser mulher em um mundo que é dos homens, e não ter família, igreja ou estado que a amparem, não ter casa, não ter dinheiro, não ter comida, não ter aonde urinar, defecar, tomar banho, não ter aonde existir, ela é o próprio não, a negação, a recusa. Recusa, portanto, de um sistema pautado no capital, mesmo que fruto dele; recusa do modelo de vida de individualismo por estar à beira da loucura, em um processo de idas e vindas na fragmentação do indivíduo, na perda de identidade, ou melhor, no questionamento de sua própria existência.
Alschitz no começo do livro diz que a qualidade desse método investigativo será maior quando o ator formular questões por si mesmo, pois bem, a que se revelou para mim como um martelo até então foi:
_ O que ela busca? É o mesmo que busco? O que eu busco?
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abufagira-blog · 7 years
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Não fossem os caminhos do conhecer tão misteriosos e incognoscíveis eu poderia dizer que o projeto A Bufa Gira O Mundo Vira começou ontem com a minha partida de Belém rumo à Santiago /Chile. Dia 27 de março, dia do teatro e do circo, segundona de Exú abre caminhos...
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