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cheguei ao ponto na vida que comecei a ter inveja de criança porque a única coisa que elas precisam fazer é existir
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Em 1915, Franz Kafka publicou o livro "A Metamorfose", um livro que conta a história onde Gregor Sansa, o personagem central da história, acorda um dia no corpo de um inseto. Kafka nunca definiu que espécie de inseto, ele só descrevia as características do corpo animalesco. Kafka sempre criticou a sociedade e sua relação com o campo empregatício da coisa. E esse livro é basicamente sobre isso porque Gregor, é a pessoa que provém para sua família e, quando ele se encontra no corpo de um inseto, e não pode ir trabalhar por conta dessa situação, a maior polêmica e indagação levantada pelo família é: "Quem vai prover agora?" a preocupação no momento não seria Gregor e sua situação adversa que desafia o universo não fantasioso, não se é levantado como que o personagem ficou daquela forma ou como vão reverter a situação. A única preocupação é: "De onde o dinheiro virá?"
E é sobre isso o livro, a desumanização, a alta importância para o papel do personagem enquanto ele é útil para trazer o dinheiro, e como sem essa validação, ele é literalmente rebaixado a sua situação: um inseto.
E ultimamente eu venho pensando muito sobre isso, sobre como eu me sinto a respeito do meu trabalho e a validação excessiva que sinto precisar. Há 1 ano estou num trabalho onde ganho bem, tenho o privilégio de poder trabalhar numa sala sozinha a maior parte do dia - o que é bom porque particularmente, me concentro e sei que faço um trabalho melhor quando não tenho outra pessoa para conversar - e tenho a sorte de me dar bem com meus colegas de trabalhos e meus chefes. É um ambiente calmo, onde me sinto confortável, mas que em dias específicos, consegue me desestabilizar. Antes desse trabalho não achei que alguém gostaria o suficiente no meu serviço para me pagarem o que pagam - mesmo minha mãe diariamente me dizendo que eu tenho capacidade e um bom diploma para esse ser só o começo - e agora que tenho esse trabalho, esse fantasma hora ou outra aparece arranhando uma parece espessa que eu criei para me privar desse auto-sabotamento inevitavel, mas que mesmo estando isolado nessa redoma, eu consigo ouvir esse sussurrar "você nunca vai conseguir algo melhor, esse é o ponto alto da sua vida, você só esta onde esta por ter pessoas que gostam de você ali, tudo isso é pura sorte".
Mesmo sabendo que consigo ser muito boa no que faço, ainda assim sou assombrada por essa sensação terrível. Vai existir um depois melhor do que esse? Esse é o meu ápice? e também, quem eu sou sem esse trabalho? Se um dia isso acabar e meu medo não for só a minha ansiedade e sim um pressagio, vou voltar a ser um inseto?
Com carinho,
B.
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Eu escrevo desde que me entendo por gente. Desabafos, cartas para o futuro, cartas para os outros, confissões, histórias nunca acabadas, ideias de histórias que nunca nem começaram. Uma memória boa que tenho é de uma versão minha bem pitica que estava sentada sobre um banco no lado de fora da casa em que morávamos quando eu não tinha nem seis anos e, eu estava usando nossa secadora como mesa enquanto tinha lápis e folhas espalhadas por toda ela e, minha mãe estava por perto e, enquanto eu riscava linhas aleatórias entre as linhas da folha pautada, eu falava "mãe, finge que eu sei escreve". E ficava horas e horas fazendo aquilo. Eu daria muito coisa para ter aquelas folhas guardadas porque ela foram o meu primeiro impulso em direção a escrita.
Aos 22 anos, perdida, um pouco depre com as decepções da vida e completamente desesperada para ser algo além daquilo, eu escolhi fazer o curso de letras numa faculdade particular da cidade onde morava. Porque eu amava ler, gostava de escrever e na minha cabeça ingênua que acreditava que tudo era possível, eu pensei "claramente eu vou conseguir trabalhar numa editora, eu nasci para isso". E assim eu fiz. Terminei a faculdade com 25 anos, tirei ótimas notas em todas as matérias e no meu tcc onde pesquisei sobre as escolhas tradutórias de Fernando Pessoa sobre o poema "Annabel Lee" de Edgar Allan Poe sob a luz do conceito de isomorfismo de Haroldo de Campos, tive que fazer o que eu e meu orientador - um antropólogo poliglota gente boa que cozinha bem - chamamos de "enxugar" muita coisa. O curso que eu fiz era bacharel e como tinha só três anos de duração, o tcc precisa ter no máximo 30 páginas já contando com toda a ABNT nele inclusa - capa, sumário, resumo, abstract, referências e blábláblá - e foi decepcionante porque, mesmo sendo alguém insegura que se autossabota, eu acredito no meu potencial quando estou dedicada a fazer algo que realmente gosto, e aquela pesquisa tinha muito mais de 30 páginas e eu ainda estava apenas introduzindo a literatura gótica, cara, eu falei sobre Emilly Bronte, Mary Shelley, Horace Walpole e muitos outros, e eu ainda tinha tanto para falar. Mas infelizmente não é o aluno quem dita as regras. Então eu apaguei tudo o que julgariam "desnecessário" e entreguei minha pesquisa. Lembro que na semana da apresentação eu tinha várias crises de choros, me topei de remédios para ansiedade porque eu ainda precisava trabalhar das 9h até as 19h antes de ir apresentar meu trabalho. Eu estava insegura, mesmo tendo ido treinar a apresentação com meu orientador dois dias antes na sala de aula dele, quando eu, suando de nervoso, descalcei meus sapatos e repeti mais de 5x vezes cada slide e cada pequeno trecho. Eu estava insegura mesmo meu orientador me assegurando que estava ótimo e que a banca havia gostado do tema. Estava insegura mesmo tendo certeza que minha análise estava boa. Porque é assim que as coisas funcionam no meu cérebro. Eu preciso ter plena certeza e aceitação externa para acreditar que o eu faço é realmente bom.
Eu comecei a escrever isso com o intuito de chegar a pauta "eu envelheci, tenho 25 anos agora e não consigo mais escrever como antes" mas acabei falando do meu tcc.
Talvez outro dia essa pauta volte novamente.
Com amor,
B.
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Li em "little life" uma frase que Willem fala sobre ser sempre o convidado, e nunca o anfitrião. O contexto é basicamente ele falando que sempre acaba sendo um convidado entre as pessoas de uma classe mais rica do que a sua, e sobre ele nunca ser o anfitrião. Willem é um recém formado em artes cênicas, tentando incansavelmente se tornar um ator principal em algo, mas que trabalha como garçom em um restaurante e divide apê com o amigo recém formado advogado, que também tem uma vida financeira tão precária quanto a dele. "Sou sempre o convidado, nunca o anfitrião" Isso alugou um apartamento mobiliado na minha cabeça, porque quando se tem 25 anos e você está lutando diariamente para conseguir seu lugar no mundo ao mesmo tempo que tenta ganhar um bom dinheiro pra tenta viver e ter suas coisas, e você olha ao redor e vê pessoas que não precisam se esforçar da mesma forma que você e possuem tudo o que você mais sonha, você começa a pensar muito se tudo vale a pena.
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carta aberta para eu mesma.
passei minha vida inteira com a minha boa e velha companhia. criei hábitos e gostos que faziam com que a minha única presença me fizesse bem e sempre que eu pensava no futuro, não fantasiava nada a dois, era sempre eu comigo mesma. os sonhos em sair do país, viajar para campos dos jordao, comprar meu apartamento e todas essas pequena coisas que sonhamos quando começamos a levar a vida a sério. e sempre era só eu. depois que eu o conheci e me permitir experienciar a vida com alguém, me tirei da minha zona de conforto e por muito tempo o senti como um invasor, porque eu e minha mente solitária estamos acostumada só com o som da nossa voz e ter alguém ali, mesmo sendo a voz calma dele, era tudo muito estranho. mesmo não tendo motivos alguns, sempre pensei em afasta-lo porque não era o que eu queria, eu não queria gostar de alguém e construir uma vida a dois, eu queria ser só eu. mas a companhia dele mostrou-se ser boa também, e que estar sozinha com ele também era bom. e eu ainda estou aprendendo lidar porque como uma boa solitária, eu preciso regularmente de um tempo comigo mesma, de muito tempo na verdade, porque mesmo ele sendo intensamente bom para mim, deixar ele fazer parte da minha vida, é um desafio diário a mim e meus costumes de uma vida toda. mas mesmo adorando o silêncio e o conforto do meu quarto, o barulho dele também é bom.
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Em um sonho, vi meu pai. O cenário não era como ele costumava contar nos almoços de família ou quando em uma rodinha, todos comentavam sobre a infância. Nesse sonho ele não estava acompanhando sua mãe nas grandes casas onde ela fazia faxina pelas ruas de São Paulo. Nesse sonho ele não estava chorando e amedrontado porque seu pai bêbado gritava e batia em sua mãe. Nesse sonho ele não era a criança que teve que crescer r��pido demais e tomar conta da mãe porque o pai moribundo morreu em uma briga de bar. Nesse sonho ele não era um adulto machucado que teve que esconder todos seus traumas porque ele era um homem e homens não choravam. Nesse sonho ele não parecia tão exausto de tanto trabalho. Nesse sonho, ele parece mais jovem e feliz. Nesse sonho ele não tinha filhos e tinha um relacionamento saudável com uma mulher que parecia amar. Nesse sonho, foi a primeira vez que o vi genuinamente feliz. Sinto muito por tudo que o senhor passou.
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—Haruki Murakami, 1Q84
[That’s what the world is, after all: an endless battle of contrasting memories.]
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Carta aberta para o amor da minha vida.
Você sempre será como uma cicatriz, e de forma nenhuma eu algum dia vou te romantizar. Entenda que tudo que eu escrever aqui será da forma mais unilateral possível, mesmo que entre uma virgula ou outra meu eufemismo de as caras. Olhando para cima já estando aqui em baixo, eu vejo que tentar foi o primeiro dos nossos erros, do meu pelo menos. E não se preocupa, eu nunca vou colocar a culpa disso em você, porque se eu fizesse, tornaria você o responsável por tudo, e contrapartida, eu só seria irresponsável comigo mesma, porque quem que põe seu bem mais precioso sobre o cuidado dos outros? Então não, tudo o aconteceu foi porque eu em algum momento, mesmo sabendo das circunstância, queria ver até onde isso daria. Porque você era tentador. Era como aquela curiosidade crescente sempre que lemos um bom livro e não conseguimos ler só um capítulo. Falar com você me passava a mesma sensação de estar tomando um café recém passado em uma manhã fria. Não vou mentir, meu coração batia mais forte quando falava com você. Mas como o amor da minha vida, você nunca seria o amor que eu precisava. Efêmero, inconstante, incerto. Você nunca foi uma certeza, e mesmo sendo instigante, aprendemos com o passar dos anos que esse tipo de amor é fofinho e até aceitável apenas quando somos novos e inexperientes, porque a vida exige tanto de nós, mas tanto, que ao final do dia, o que precisamos é de alguém que nos ofereça conforto emocional, leveza. Você nunca seria esse alguém. Querido amor da minha vida, te conhecer foi único. Mas honestamente, obrigado por ficar no meu passado.
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⠀⠀ ⠀Acho que é uma experiência compartilhada quando se trata de professores que mudaram nossa vida com alguma frase de efeito clichê que na época achamos o máximo, ou com história e didáticas interessantes o suficientes para nos fazer focar em outra coisa a não ser conversar com a pessoa ao nosso lado. No meu caso, esse professor se chamava Carlo Eduardo, ou Cadu, como todos o chamavam, e ele nos cativava com literatura. Entendeu? Cativar, muito além do ato de escrever alguns conceitos numa lousa e nos mandar copiar. Muito além do que nos mandar ler alguns livros e perguntar se estava em segunda ou terceira pessoa, ou quem era o personagem principal. Ele nos mostrou como seu cérebro interpretava as coisas, como seus olhos enxergava além da superfície e como ele conseguia ver as entrelinhas escondidas. Cadu nos ensinava nas noites entre as 19h e 22h como entender as coisas da forma que elas querem ser entendidas. Em uma dessas noites, Cadu nos falou que, quando entendemos o contexto de onde aquilo surgiu, sua interpretação se expande, isso ele nos ensinou enquanto estávamos fazendo um estudo de caso do livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas” do Machado de Assis, e ficou mais fácil de entender porque Brás Cubas era Brás Cubas e porque Machado de Assis o fez assim. O contexto histórico.
⠀⠀ ⠀Provável que ele sua didática era voltada unicamente para a literatura, mas isso se instalou em alguma parte do meu consciente e me fez ser mais paciente. Compreensiva. Com tudo, inclusive comigo mesmo.
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