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‘Mais Um Dia de Vida’ e a memória de uma guerrilheira angolana
Dando seguimento àquilo que havíamos tratado no post que fizemos anteriormente, gostaríamos, hoje, de abordar outro tema diretamente ligado à temática independentista angolana. Mais especificamente, queremos lançar luz, aqui, para duas obras complementares que nos ajudam a ter uma dimensão mais apurada acerca desse conflito que foi travado no país naquela segunda metade do século XX: a primeira se trata de um livro de um jornalista polonês, Ryszard Kapuscinski, cujo título é “Mais um Dia de Vida – Angola 1975”; e, a segunda, “Another Day of Life”, que diz respeito a um longa-metragem fruto do trabalho de Raú de La Fuente e Damian Nenow, que juntos tentaram trazer às telonas uma dramatização digitalmente animada do importante escrito jornalístico mencionado anteriormente.
Ambos são baseados nas experiências reais vividas por Kapuscinski no período de tempo que estendeu de setembro a novembro de 1975, quando, buscando dar ensejo a uma investigação mais vívida do confronto armado que se alastrava por toda a Angola, visitou a região sul do país (precisamente Pereira d’Eça, atual Ondjiva), em um momento em que se desenhava melhor a guerra civil ente a FNLA e a MPLA, no pós independência. Foi durante a estadia do jornalista nesse entremeio, que tivemos a chegada das tropas enviadas pela África do Sul em apoio à primeira e as de Cuba, que viriam dar suporte à segunda, em um embate que claramente fazia viva na Angola a Guerra Fria. A narrativa, centrada nos percalços enfrentados pelo polonês e sua equipe, apresenta grandes e dramáticos momentos, em uma trama que mistura elementos documentaristas e outros mais poéticos, que beiram muito ao estilo surrealista.
No entanto, o relato mais substancial e que certament, enriquece muito o livro e, principalmente, o filme ganhador do prêmio Anima Mundi 2019, é aquele em que Kapuscinski nos introduz a Carlota – uma guerrilheira que, aos 20 anos, galgava uma posição de comando de uma das tropas sulistas da MPLA , sendo descrita como uma forte, nobre, determinada e sagaz combatente que se sacrificou em nome de sua causa. Frente a essa figura, a película, diferentemente até mesmo daquilo que o próprio jornalista fez, imbuiu-se de uma espécie de compromisso político e identitário, partindo do pressuposto de que seria substancial para a memória de Angola que Carlota fosse exaltada e rememorada, pois ela, mesmo que tenha sido uma das personalidades mais singulares e substanciais para toda aquela complicada e delicada conjuntura guerrilheira de 1975, acabou por cair no esquecimento pela tradição histórica e memorativa desse país, assim como muitos outros que fogem ao nosso conhecimento.
Em uma das reportagens que lemos a respeito disso, pudemos ter contato com a opinião de alguns angolanos contemporâneos que, além de relatarem suas vivências junto da combatente, apontavam, de um modo geral, para o desafio necessário que os historiadores modernos têm para com Carlota, tendo em vista que escassos são os documentos que efetivamente corroboram para o estudo de sua biografia, ainda que ela tenha sido uma grande heroína para a independência do país. Apesar disso, é importante termos em mente aquilo que Hélia Santos assinalou em uma de suas resenhas com relação ao papel que livro e filme assumem em meio a essas discussões. Nas concepções da estudiosa, não podermos perder de vista o fato de que o relato de Kapuscinski e o do longa derivado dele são duas produções feitas a partir da perspectiva de um estrangeiro, branco e, em grande medida, alheio àquele ambiente descrito, sendo que “Another Day of Life” acaba, até mesmo, caindo em uma situação conflitante já que se propõe a reabilitar a imagem de Calota, mas, na prática, exalta em demasia o estereótipo típico do jornalista etnólogo e aventureiro que narra sua jornada em um ambiente tribal e curioso aos olhares ocidentais.
Referências:
1- https://www.amazon.com.br/Mais-Dia-Vida-Angola-1975/dp/9896711763
2- https://www.youtube.com/watch?v=KFqf5h2kqf8
3- http://m.redeangola.info/especiais/carlota-a-guerrilheira/
4-https://www.academia.edu/38505993/MAIS_UM_DIA_DE_VIDA_MEMORIALIZACAO_DO_JORNALISTA_ESQUECIMENTO_DE_ANGOLA
5- https://www.diariodaregiao.com.br/_conteudo/2019/07/cultura/filmes/1159965-filme-sobre-angola-vence-anima-mundi.html
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Teta Lando e a Independência Angolana
Nesse primeiro post, gostaríamos de fazer uma dedicatória a todos aqueles que se perdem no algoritmo do YouTube e acabam achando todo um mundo inexplorado de músicas que não fazíamos ideia que existia, porque foi graças a uma dessas ocasiões aleatórias de divagação cibernética que acabamos nos deparando com uma das produções musicais que mais nos surpreenderam em anos. Nesses últimos tempos, temos dedicado nosso tempo livre para entendermos e conhecermos melhor o ambiente cultural, tanto brasileiro, como internacional, dos anos 60 e 70, visto que muito do que se produziu nesse recorte em termos de música nos agrada profundamente. Graças a isso, acabamos descobrindo um músico angolano chamado Alberto Teta Lando (1948-2008), que dedicou sua carreira para composições do estilo “semba” (e não, não escrevemos samba errado), que foi um gênero que tipicamente se desenvolveu na Angola nos idos de 1950 e que, ali, ganhou muita popularidade.
Mais especificamente, a produção de Lando que tivemos maior contato foi o álbum “Independência”, que lançado em 1975, conta com canções que podem nos ajudar em muito a compreender, não apenas o cenário musical dessa época, mas, também, toda a conjuntura da Guerra de Libertação Nacional Angolana e a derrocada do Regime Salazarista-Marcelista. Isso porque se pegarmos, por exemplo, a música que dá início à composição, “FNLA – MPLA”, perceberemos uma clara dedicatória do autor à Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) e ao Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) – dois dos grupos mais fundamentais que lideraram toda a luta anticolonialista desde meados de 1961 e que vieram, anos mais tarde, a figurar uma sangrenta disputa pelo poder que se estendeu até o ano de 2002.
Caso queiram se aprofundar no assunto, vamos deixar disponível, aqui, um link para um TCC que trata precisamente do papel de cada entidade paramilitar que figurou nessa conjuntura de luta por independência e que alcançaram seu objetivo no mesmo ano de lançamento do álbum. Mas, de um modo geral, podemos entender que, enquanto o primeiro seguia uma cartilha de orientação marxista-leninista e era apoiado pelas nações comunistas da época (como Cuba, Congo e U.R.S.S.), o segundo era suplantado pelo outro lado bloco que buscava hegemonia política durante a Guerra Fria no continente africano, nomeadamente E.U.A. e África do Sul. Mesmo que naturalmente fossem rivais ideológicas, essas duas forças conseguiram lutar em conjunto até 1975, quando efetivamente conseguiram livrar Angola do subjugo português. Porém foi, a partir daí, que ambas se chocaram e levaram a cabo um conflito que só teria final no início do século XXI, com a vitória política da MPLA.
No entanto, cremos que a música que mais nos chamou a atenção fora “Irmão Ama O Teu Irmão”, na qual Lando cantava em apelo à união frente às forças coloniais portuguesas, ressaltando que as diferenças políticas, ideológicas e, até mesmo, raciais, fossem suprimidas em detrimento dessa causa maior. Desse modo, quando cantou que “vê nele somente um angolano”, o compositor demonstrava, por um lado, que os acirramentos políticos internos à Angola eram evidentes, mesmo antes da Independência, sendo que, na faixa “Angolano Segue em Frente”, por outro, sublinhava a necessidade de brancos, mulatos e negros se ajudarem, visto que o caminho até a liberdade era repleto de percalços, sendo a única saída à verdadeira felicidade a união de suas forças. Essa preposição faz sentido, na medida em que compreendemos aquilo que Fernando Tavares Pimenta aponta em “O Estado Novo português e a reforma do Estado colonial em Angola”, que nos evidencia que as elites brancas donas de grandes corporações econômicas viram de perto a ruína de seu poderio econômico, com a derrota dos interesses portugueses naquela recém independente nação africana - a quem Lando faz apelo, quando convoca todos aqueles brancos que tivessem “vontade de fazer uma Angola verdadeiramente livre” a se unirem à causa independentista.
Ainda que seja difícil precisar quando exatamente fora escrita cada música, é certo que elas compuseram um dos primeiros e mais importantes álbuns da história angolana, já que foi apenas em 1969 que o primeiro estúdio efetivamente se instalou no país, sendo esses primeiros momentos um verdadeiro cenário fundacional da música popular angolana. Por isso, achamos interessante trazê-lo para uma de nossas discussões, pois, conforme o depoimento de Chimamanda Adichie no TedEX nos diz, é importante promovermos a tão necessária pluralidade no trato dos assuntos ligados à História da África, bem como rompermos com as acepções “tribalistas” e clichês que nos foram relegadas pela tradição histórica oitocentista, trazendo fontes genuinamente produzidas no continente como forma de melhor aprofundamos nas questões.
Referências:
1- https://open.spotify.com/album/3mVWmHZzztsm1RZFZOBYqv
2- https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-90742014000200250&script=sci_arttext
3- https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/36933
4- https://acervo.oglobo.globo.com/fatos-historicos/angola-independencia-guerra-civil-apos-quatro-seculos-de-dominio-portugues-10110726
5- https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/17-anos-do-fim-da-guerra-civil-angolana.phtml
6- http://www.thejukeboxrebel.com/teta-lando-independencia
7- https://books.google.com.br/books?hl=pt-BR&lr=&id=Ie1HBAAAQBAJ&oi=fnd&pg=PT9&dq=teta+lando&ots=pkzHZdEnXZ&sig=dtlfTMRSmaRS2b7I28ZtS0hfU6k#v=onepage&q=teta%20lando&f=false (Nesse livro, encontramos alguns testemunhos de Teta Lando acerca da cena musical de Luanda durante a década de 1960. Apesar de não se referir diretamente ao álbum que, aqui, abordamos, é uma interessante referência para entendermos a percepção do artista à época de produção dele).
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Kokoroko e a recente cena do afrobeat contemporâneo
Para finalizar nossas reflexões sobre o afrobeat nada melhor do que trazer à tona uma das bandas mais expoentes do gênero em nossos dias: Kokoroko. Esse grupo, que conta com sete membros nascidos e criados no seio de um variado conjunto de etnias africanas, é liderado pela trompetista Sheila Maurice-Grey e vem ganhando renome na cena do jazz tradicionalmente estabelecida em Londres. Após o sucesso de sua música Abusey Junction nos idos de 2018 em plataformas, como o YouTube e o Spotify, a banda empolgou muitos especialistas e entusiastas no assunto, sendo que a eles foi concedida a reconhecida alcunha de Ones to Watch do jornal The Guardian.
Curioso para nossas considerações salientar aquilo que Sheila, em uma entrevista dada ao site Okayafrica, revelou sobre a proposta do grupo e o lugar na música no qual eles almejam se situar. Segundo as palavras da trompetista, o próprio significado do nome Kokoroko é algo simbólico a termos em mente com relação as pretensões do conjunto musical, tendo em vista que na língua Urhobo ele significa “seja forte” – o que, segundo explica, seria um princípio indissociável das diretrizes de suas músicas, uma vez que elas visam popularizar o gênero, bem como celebrar o legado de grandes nomes da música africana, sobre os quais já tratamos aqui, sendo que a postura geral adotada pela banda é considerada pelos seus membros como um importante ato para os âmbitos políticos, sociais e históricos. Certamente, por isso, que Sheila julgou importante frisar que, no início, ela e seus companheiros treinavam fazendo cover dos grandes sucessos de Ebo Taylor e Fela Kuti, precisamente, porque eles entendem que o afrobeat não pode ser algo relegado ao passado, mas sim ao futuro, visto que este foi um gênero tão importante quanto o próprio jazz.
Isso explica em grande medida o estilo característico do grupo, que é marcadamente influenciado pelo cenário musical africano dos anos 60 e 70, não sendo um exagero afirmar que eles, em grande medida, dão uma continuidade espiritual às obras dos grandes músicos em quem ele se inspira. Apesar disso, é notável que as suas poucas, mas extremamente ricas, composições não se restringem à uma mera mimese do passado, sendo notável o aspecto mais moderno e inovador. Desse modo, é de suma importância que reconheçamos a relevância que Kokoroko tem e que potencialmente pode vir a ter, especialmente se pensarmos que, aos moldes de Kuti, produzem uma música totalmente engajada e de acordo com as concepções correntes de ancestralidade e empoderamento negro.
Referências
1- https://www.youtube.com/watch?v=tSv04ylc6To
2- https://open.spotify.com/album/7MeDqREJNAU5D80vI2xCol
3- https://www.okayafrica.com/kokoroko-ep-jazz-afrobeat-interview/
4- https://www.clashmusic.com/features/kokoroko-the-jazz-group-honouring-afrobeat-and-the-sounds-of-london
5- https://www.theguardian.com/music/2019/feb/23/one-to-watch-kokoroko-jazz-london-abusey-junction
6- https://www.publico.pt/2019/07/19/culturaipsilon/noticia/kokoroko-filhos-afrobeat-jazz-londres-1880077
7- http://www.macrocefaliamusical.com/2019/04/conheca-o-sinuoso-afrobeat-do-kokoroko.html
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Olá, nos chamamos Bruno Leal e Iris Rocha, somos estudantes do 4º Ano do curso de História da Universidade Estadual Paulista (UNESP) e nosso perfil tem como objetivo trazer ao público algumas das reflexões que tivemos com base na nossa disciplina de História da África. Nosso intuito, aqui, vai ser o tratar sobre alguns aspectos desse plural e vastíssimo continente, tentando sempre ao máximo nos afastarmos de concepções tribalistas e ultrapassadas no que concerne à essa temática. Para isso, tentaremos trazer um conjunto de posts que apresentem a vocês fontes e estudos que corroborem para uma compreensão mais aprofundada e mais diversa sobre os pontos que levantaremos, sendo que buscaremos dar voz e apresentar feitos de africanos ímpares, seja para o campo da cultura, seja da política. Em síntese, nosso blog it’s just about Africa! Espero que vocês possam desfrutar das informações que divulgaremos e que se sintam estimulados a se aprofundarem no assunto e nas pesquisas.
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