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Ocupando Brasil: esses movimentos querendo mudar as cidades 1/2 Seis de Abril em Agosto
Quando chegamos no acampamento na quinta-feira 20 de agosto, por volta de meio- dia, estava deserto. Contrariamente à semana anterior, não dava para ver ninguém de fora. Só encontramos gente na cozinha de apoio, que foi criada no mesmo dia que o terreno foi tomado, mas que não estava sendo mais usada. O acampamento tinha mudado bastante, muitas barracas tinham sido levantadas pelas 300 famílias que chegaram desde o início. A barraca da coordenação e a “brinquedoteca” estavam prontas; estruturas de madeira estavam montadas e o interior bem ajeitado, com cortinas nas janelas. Tinha também uma enfermaria. Lá dentro, três homens terminavam de construir a cozinha do Grupo 1 e dois estudantes cavavam um banheiro seco mais longe. Não tinha ninguém; estavam todos a caminho do centro do Rio, para o ato contra o impeachment.
A ocupação Seis de Abril 2010 foi criada na madrugada da sexta pra sábado 8 de agosto, organizada pelo MTST – o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto. Cem famílias ocuparam um terreno em Niterói, no Largo da Batalha, na valorizada região oceânicas. No final, mais de 700 famílias ocuparam, com um mesmo objetivo: conseguir a casa própria. Em sua maioria as famílias são de comunidades próximas. Uma delas é a favela do Bumba, que sofreu graves deslizamentos em 2010, por causa de fortes chuvas. O acampamento foi nomeado em memória do evento, pois os que tomaram o terreno são originários de lá. Muitos perderam a casa e viveram num abrigo alguns anos depois a catástrofe; outros ficaram nos barracos que resistiram, em área de risco. O MTST foi ao encontro dos moradores; de boca em boca, reuniões, “zap-zaps”, panfletos, mobilizaram várias famílias pra entrar na luta pela moradia digna.
Pô, tô com uma proposta... E ai começou a passar./Me interessei, tanto que estou aqui, porque acredito que daqui já vou sair com minha chave garantida, não só eu mas todo mundo! E daí foram chegando mais e mais, todos os dias novas famílias entrando. História de quem passou na frente, viu o movimento, as bandeiras, chamou a família, os amigos, os colegas.
Eu passei e vi uma faixa. Jogaram uma coisa no Zap, comunicando que teria isso aqui. Vem cá, olha só, vão ceder a terra aí, sem-terra e tal. Ai vim, conferi se era verdade, experimentar.
Conheci uma mulher, a Marta, uma veterana do MTST. No acampamento, participava da coordenação, ajudava na recepção das famílias, disponibilizando a força que ganhou através da experiência no movimento. Fez parte dos moradores do Bumba que perderam a casa em 2010 por causa dos deslizamentos. Morou uns anos no abrigo em Santa Cruz providenciado pela prefeitura, junto com outras vítimas. Mas para ela, foi
mais uma prisão do que um refúgio; me contou das péssimas condições de higiene, de alimentação, desesperada sobretudo pelo trato de criminosos que recebiam. Com isso, aos poucos foi entrando no movimento e hoje está convencida que a luta se faz necessária para morar com dignidade, em um sistema que se sustenta no déficit habitacional da cidade capitalista. Moradia digna é diferente de um barraco em área de risco, de um colchão de favor na casa dos familiares, de um aluguel que não permite fechar as contas no final do mês. Faxineira, motorista de ônibus, pedreiro, servente de padaria; acidentados, aposentados; crianças, escola, comida, transporte, aluguel, contas, impostos. Mil reais por mês? Esquece o seguro-médico.
Vagabundos!
Todo mundo participa da vida do acampamento com o que for possível; montar as barracas individuais e coletivas, na limpeza, na cozinha, trazer uma comida, um biscoito. Ajudar com que puder. Existe sim uma divisão organizacional – mas não hierárquica – em coletivos, que chamam de setores. Cada um cuida de uma parte da mobilização: organização interna, comunicação, infraestrutura, segurança, autodefesa. A ocupação fica na beira da estrada Cruz Nunes, em Niterói, que da acesso às praias oceânicas, numa área onde floresce a especulação imobiliária, onde os condomínios se espalham. Não faltam ocasiões nas quais passa um carro xingando os moradores de “vagabundo”, “vai trabalhar”. Um clima tenso pesa na ocupação, e o medo de serem atacados ou mesmo invadidos, de alguém botar fogo nas barracas no meio da noite, como tem acontecido na ocupação Zumbi dos Palmares, em 2014. O acampamento é dividido em dois grupos, cada um com sua cozinha, seu banheiro e sua coordenação interna. Na coordenação geral da ocupação tem tanto acampados quanto militantes do MTST, como o Guilherme, que veio de São Paulo alguns anos atrás para participar do fortalecimento do movimento no Rio. Me explicou o processo de preparação da ocupação: ir nas comunidades, mobilizar as famílias com mais necessidades, organizar reuniões e distribuir panfletos. Basicamente, a ocupação nasce e cresce do boca em boca. Na privacidade das casas se conscientizam as pessoas, o direito à moradia forma vida e lutar por ele se torna a mais sensata opção. O MTST trabalha pela toma de consciência da classe trabalhadora e pela luta contra a cidade capitalista, onde moradia é mercadoria. Me explicou porquê o MTST tem escolhido especificamente esse terreno:
A gente achou, por ter contato com famílias de muitas das comunidades do entorno, ocupar um terreno nesta região. Além de proporcionar a essas famílias a possibilidade de ocupar um terreno mais ou menos próximo da sua origem, a gente também proporciona um conflito com o capital imobiliário. Isso faz parte dos princípios do MTST, pra denunciar, para tornar pública essa segregação e essa disputa que se configura nas cidades.
Pela localização da ocupação, o movimento teve uma grande força na negociação com os poderes públicos. Pressionado pela elite niteroiense, que devia achar aquilo uma coisa horrorosa, o governo ficou disposto a negociar rapidamente, e o acampamento foi desmontado um mês depois, no início de setembro. Mas isso não significa que a
mobilização tenha terminado, pelo contrário, a ocupação foi só o início da luta. As famílias continuam mobilizadas nas comunidades, se reúnem em assembleias, à espera da próxima ação. Qual objetivo? A construção de mil moradias através do Minha Casa Minha Vida Entidades (MCMV). Essa modalidade permite que o movimento gerencie o projeto de forma autônoma, escolhendo a assessoria técnica e contratando a empreiteira. No programa MCMV comum, todo o processo está nas mãos das construtoras, geralmente orientadas mais pelo lucro do empreendimento que pela qualidade da moradia, o que resulta em condomínios afastados dos centros urbanos, sem infraestrutura, apartamentos pequenos e material barato, como Guilherme disse:
Terreno mais barato, mais precário; quando menor o apartamento, menos material, mais lucro. Existe lá uma brechinha chamada Entidades [...] contratamos a construtora para executar o nosso projeto, ela não tem autonomia. Obviamente ela tem lucro, mas ela não tem a autonomia que ela teria de reduzir tamanho, reduzir qualidade de material para lucrar mais. As famílias também participam de algumas etapas do projeto.
A ocupação Seis de Abril é a segunda importante ação do MTST no estado do Rio, desde sua reestruturação em 2011. O ano passado, a ocupação Zumbi dos Palmares em São Gonçalo fez um grande sucesso, e permitiu essa nova mobilização. A luta não será simples nem curta, mas o objetivo é claro: construção de moradia popular de qualidade. As lutas atuais seguem o exemplo do condomínio João Cândido no estado de São Paulo, conquistado após 10 anos de luta, ocupações, manifestações e bloqueios.
Setembro 2015
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